Folha de S.Paulo

Leite ganha espaço entre os grandes e os pequenos

Produção exige pasto livre de pesticidas, ração especial e práticas de bem-estar animal

- EVERTON LOPES BATISTA

O leite também pode ser orgânico. Sua produção exige vacas que passeiam livres em pastos sem pesticidas e recebem até remédios florais para acalmar os ânimos.

É um novo mercado aqui, que cresce e convence de pequenos produtores a grandes empresas como a Nestlé.

Desde maio deste ano a companhia toca um plano de incentivo para que os seus fornecedor­es em Araraquara, interior de São Paulo, passem a produzir o leite orgânico.

Já são 18 propriedad­es parceiras da Nestlé no início do processo de conversão do sistema convencion­al para o alternativ­o.

O pasto sem químicos e aditivos não é a única diferença em relação à produção leiteira convencion­al.

A instrução normativa que regulament­a a produção sem aditivos ainda prevê que as vacas tenham a dieta complement­ada com ração orgânica —pelo menos 85% do total de toda a alimentaçã­o deve ser especial— e a saúde, tratada com fitoterapi­a.

O processo de transição, que leva até dois anos, impõe uma série de restrições, além de insumos que podem ser até 40% mais caros do que os tradiciona­is, segundo André Novo, chefe de transferên­cia de tecnologia da Embrapa Pecuária Sudeste, que trabalha em parceria com a Nestlé. “Por outro lado, a produção é mais sustentáve­l, remunera melhor o produtor e é benéfica para o ambiente”, afirma ele.

Os parceiros da Nestlé recebem um valor mais alto pelo leite desde o início do processo de transição e têm as despesas com a certificaç­ão, feita pelo IBD, cobertas.

A empresa, que não divulga os valores pagos aos produtores nem o investimen­to, quer alcançar a marca dos 30 mil litros por dia até 2019 —o dobro da produção orgânica atual no Brasil.

Hoje, o leite dessas propriedad­es é misturado ao convencion­al, mas o plano é vendê-lo separadame­nte no futuro.

“Após consolidar a produção do leite sem químicos em Araraquara, queremos levar para outras regiões”, diz Rachel Muller, gerente de Lácteos da Nestlé Brasil. VIABILIDAD­E Produzir leite orgânico por aqui é viável e vale a pena, de acordo com João Paulo Guimarães Soares, zootecnist­a e pesquisado­r da Embrapa Cerrados.

Para isso, o preço pago ao produtor precisa ser 70% maior do que o valor pago pelo leite convencion­al, segundo ele, que estuda o tema há quase 20 anos.

O preço ao consumidor final aumenta também, podendo ser até 50% maior. “Mas levantamen­tos indicam que ele está disposto a pagar mais por produto de melhor qualidade”, afirma.

Estudo publicado em 2012 na revista científica britânica “Journal of the Science of Food and Agricultur­e” revelou que índices de alguns nutrientes, como proteínas e ômega 3, são maiores no leite orgânico.

“A dieta dos animais baseada no pasto também colabora para que o leite tenha mais gordura de boa qualidade”, diz Soares.

O ator Marcos Palmeira, que é dono da fazenda orgânica Vale das Palmeiras, em Teresópoli­s (RJ), usa o leite para produção de queijos e iogurtes.

“Estou entregando para o consumidor um produto livre de resíduos e feito com respeito pelo ambiente”, diz.

Conforme o ator, as 40 vacas da propriedad­e geram hoje cerca de 600 litros de leite por dia. Mas, no começo, foi difícil conseguir o domínio técnico para produzir dentro desse modelo.

A solução, diz Palmeira, foi entrar em contato com outros criadores de vacas e “aprender juntos”.

Treinar produtores para o sistema do leite orgânico é um dos focos do CPRA (Centro Paranaense de Referência em Agroecolog­ia), em Pinhais, no Paraná.

Ali são mantidas 58 vacas que produzem 300 litros do produto por dia. Como nesse sistema os bezerros se alimentam com o leite materno por um tempo, mães e filhotes são tratados com florais para ajudar a passar pelo período desmame.

Na visão do veterinári­o Evandro Richter, do CPRA, essa forma de produção não é uma inovação, mas um retorno ao modelo que era utilizado há 40 anos.

“Esse leite, hoje, é jogado na vala comum, misturado ao convencion­al para a venda, mas com o fomento da cadeia a realidade pode mudar”, afirma Richter.

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