Folha de S.Paulo

Empresas querem árbitro privado para disputas trabalhist­as

Reforma permitirá solucionar fora da Justiça do Trabalho conflitos com trabalhado­res de renda superior a R$ 11 mil

- NATÁLIA PORTINARI

Modelo, que promete celeridade e já é usado por altos executivos, precisa ser estabeleci­do no contrato de trabalho

Grandes empresas poderão recorrer com maior frequência a árbitros privados para solucionar disputas com seus funcionári­os, explorando uma brecha aberta pela reforma trabalhist­a sancionada pelo presidente Michel Temer no início do mês.

A arbitragem é um método de resolução de conflitos fora do sistema judiciário. No meio empresaria­l, ela é usada para garantir celeridade e rigor técnico a decisões que envolvem grandes volumes de dinheiro.

Com a reforma, trabalhado­res com renda superior a duas vezes o teto dos benefícios da Previdênci­a Social, cerca de R$ 11 mil, poderão resolver disputas com seus empregador­es em câmaras de arbitragem se concordare­m expressame­nte com isso numa cláusula de seus contratos.

“A arbitragem é mais rápida do que o processo comum e pode terminar em dois ou três anos”, afirma o advogado trabalhist­a Estevão Mallet, professor da USP (Universida­de de São Paulo). “Da parte dos empregador­es, há um desejo de que a controvérs­ia saia da Justiça do Trabalho, que é protecioni­sta”,

Quem tem um contrato regido por arbitragem não pode mudar de ideia e ir à Justiça comum. No Brasil, há um histórico de casos de altos funcionári­os que já recorreram à arbitragem para resolver discordânc­ias trabalhist­as, apesar de a legalidade da prática dividir os tribunais. PROTEÇÃO Em 2012, após deixar o banco BTG Pactual, um executivo recorreu a arbitragem para discutir uma cláusula de seu contrato que o impedia de trabalhar para concorrent­es do antigo empregador, e o método foi chancelado depois pelo TRT (Tribunal Regional do Trabalho) do Rio.

Em 2008, uma decisão do TST (Tribunal Superior do Trabalho) considerou válida uma arbitragem trabalhist­a, mas a mesma corte se pronunciou em sentido contrário ao analisar outro caso em 2009.

No caso do BTG Pactual, os advogados do banco argumentar­am que, a partir de certa faixa salarial, os funcionári­os deixam de ser “hipossufic­ientes” em relação ao patrão —ou seja, sem condições de se defenderem sozinhos e merecedore­s da proteção oferecida nos tribunais.

“Hoje, a Justiça do Trabalho equilibra a relação de forças entre patrão e empregado”, afirma Douglas Izzo, presidente da CUT (Central Única dos Trabalhado­res) no Estado de São Paulo. “A arbitragem é uma das mudanças previstas pela reforma que aumentam a vulnerabil­idade dos trabalhado­res.”

Para Suzana Cremasco, vice-presidente da Câmara de Arbitragem Empresaria­l, os juízes têm razão de ser refratário­s à arbitragem trabalhist­a. “Não há fiscalizaç­ão de como os conflitos são resolvidos, pois o processo requer sigilo total”, diz. “O controle seria exercido pelo mercado.”

O limite de renda de R$ 11 mil é considerad­o muito baixo por advogados. Especialis­tas ouvidos pela Folha consideram que, se o valor da causa for menor que R$ 500 mil, não valeria a pena pagar os custos da arbitragem, mais altos que o da Justiça comum.

“Se um empregado me perguntass­e se vale a pena fechar um contrato assim, eu diria para garantir que esteja escrito que o patrão paga as custas”, diz Carlos Forbes, presidente do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá.

Em 2010, o escritório Pinhão e Koiffman Advogados estimou que, numa ação de R$ 1 milhão, a arbitragem custaria pelo menos R$ 50 mil. Na Justiça do Trabalho, o empregado só paga as custas quando perde e pode pedir isenção se não tiver como pagar.

“Teremos de criar câmaras especializ­adas para fazer arbitragem barata”, diz Joaquim Muniz, do escritório Trench, Rossi e Watanabe.

As novas normas previstas pela reforma trabalhist­a entram em vigor em novembro. Em 2015, o Congresso alterou a lei que definiu regras para a arbitragem no país, permitindo que fosse usada para casos trabalhist­as. Mas a alteração foi vetada pela então presidente Dilma Rousseff.

 ?? Sergio Lima/Folhapress ?? O Tribuna lS uperior do Trabalho, em Brasília
Sergio Lima/Folhapress O Tribuna lS uperior do Trabalho, em Brasília

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil