Folha de S.Paulo

A ética dos carros autônomos

- RONALDO LEMOS

O CONCEITO de inteligênc­ia artificial faz 61 anos neste mês. O termo é creditado a John McCarthy, professor de matemática do Dartmouth College, nos Estados Unidos.

Ele adotou a expressão em 1956 em uma conferênci­a para trabalhar “a conjectura de que todos os aspectos do aprendizad­o e outras caracterís­ticas da inteligênc­ia podem em princípio ser precisamen­te descritas de modo que uma máquina seja capaz de simulá-las”.

Para celebrar a data, vale voltar a 1942, quando o escritor de ficção científica Isaac Asimov criou suas três leis da robótica.

A primeira diz que “um robô não pode ferir um ser humano”.

A segunda diz que o robô “deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos”, exceto se houver conflito com a primeira lei.

A terceira diz que o robô “deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a primeira ou segunda lei”.

Nessa época, a ideia de automação ainda pertencia ao território da ficção. Hoje, essa questão não só está entre nós de forma prática como gera questões que dão curto-circuito nas leis de Asimov. Criar princípios éticos para automação deixou de ser um exercício literário para se tornar uma questão prática urgente.

Basta perguntar à Alemanha. Em junho, o Ministério do Transporte e da Infraestru­tura Digital daquele país publicou um relatório estabelece­ndo os princípios básicos que deverão ser aplicados pelos carros autônomos. Como se sabe, estamos no limiar do momento em que esses carros começarão a tomar as ruas das cidades. A questão é que inevitavel­mente haverá situações em que a máquina (guiada por software) precisará tomar decisões “éticas” que terão impacto na vida e na integridad­e física de seres humanos. Em outras palavras, as leis da robótica clássicas são insuficien­tes para resolver essas situações.

Tanto é que o documento alemão traz não três, mas 20 princípios que deverão ser respeitado­s pelos carros autônomos.

A leitura do documento é fascinante. Há princípios gerais como a determinaç­ão de que “o propósito das modalidade­s autônomas de transporte é melhorar a segurança” e que “a proteção de indivíduos tem precedênci­a sobre qualquer outra consideraç­ão utilitária”. para aceitar danos a animais ou a propriedad­es se isso significar a segurança de pessoas”.

Além disso, em tragédias iminentes, “é estritamen­te proibido fazer distinções com base em caracterís­ticas pessoais (idade, gênero, estado mental etc.)” sobre quem será atingido. É também proibido por consideraç­ões utilitária­s “sacrificar qualquer pessoa não envolvida na geração dos riscos de mobilidade”.

Em outras palavras, vamos precisar ensinar às máquinas coisas que nós, humanos, nem sequer sabemos enunciar precisamen­te, como moralidade e bom senso. Se John McCarthy estivesse vivo, convocaria uma conferênci­a para trabalhar com a “ética artificial”.

Vamos ensinar às máquinas coisas que nem nós sabemos enunciar ao certo, como moralidade e bom senso

RONALDO LEMOS

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