ANÁLISE Dramaturgia de Sam Shepard devastou drama familiar dos EUA
Criança Enterrada
Shepard venceu o Pulitzer por esta peça de 1978. Talvez sua obra mais conhecida, o drama retrata uma família do interior americano repleta de segredos. No Brasil, Francisco Medeiros e Mário Bortolotto já dirigiram montagens
Oeste Verdadeiro
A relação de aversão e inveja entre dois irmãos (um bem-sucedido, outro um “outsider”) é o tema da peça de 1980, finalista do Pulitzer. Bortolotto e Marco Ricca já encenaram o texto no Brasil
A Particle of Dread
Última de suas peças, estreou em 2014 nos EUA e explora a natureza da mitologia e da tragédia, mas com um quê de medicina forense
Livros Crônicas de Motel
Coletânea (1982) tem poesia, contos autobiográficos e outros textos. Traz lembranças de sua infância e juventude no Oeste americano, os bicos de caubói e garçom e os reflexos do sucesso
Rolling Thunder Logbook
O livro de 1977 descreve a turnê “Rolling Thunder”, de Bob Dylan, em 1975. Shepard fala de Dylan e de artistas que o rodeavam, como Joan Baez e Allen Ginsberg, de forma quase impressionista
Atuações Os Eleitos - Onde O Futuro Começa
No longa de Philip Kaufman (1983), adaptação da obra de Tom Wolfe, Shepard é o ás da aviação Chuck Yeager. Pelo papel, foi indicado ao Oscar
Louco de Amor
Shepard atua na adaptação de 1985 de sua peça sobre dois ex-namorados que se reencontram em um motel no deserto
Álbum De Família
Shepard faz participação no longa de John Wells (2013), com Meryl Streep e Julia Roberts, sobre família lidando com a morte do patriarca
Filmes Paris, Texas
Shepard assina com L.M. Kit Carson o roteiro do filme (1984), um dos mais conhecidos de Wim Wenders. Fala de um homem (que desaparece e vaga pelo deserto) com a família
Zabriskie Point
No filme de Michelangelo Antonioni (1970), Shepard assina o roteiro com o diretor e três nomes. O clássico retrata os anos 1960 nos Estados Unidos
Sam Shepard escreveu sob a sombra de estátuas inalcançáveis da dramaturgia americana como Eugene O’Neill (1888-1953) e Arthur Miller (1915-2005). As suas principais peças, sobretudo aquela considerada obra-prima, “Criança Enterrada”, que reescreveu várias vezes, ecoam as dos antagonistas-predecessores, como “Longa Jornada Noite Adentro”, de 1941/42.
Com a diferença de que, contra eles, que mergulhavam as relações em psicologia, ele queria antes devastar o drama familiar americano. Nada de realismo freudiano, com ele. Daí os saltos para o simbolismo, o mito, como a criança enterrada no quintal, que agoura a família do texto de 1978.
É a sua peça mais montada no Brasil, desde uma primeira encenação universitária de Francisco Medeiros nos anos 1980, com Marisa Orth, até aquela de Mário Bortolotto e 2016, com Paulo César Pereio.
Também repercutiram aqui textos de sua trilogia —para alguns, pentalogia— apelidada de “familiar”, como “Oeste Verdadeiro”, dirigida por Marco Ricca em 1996, com Otávio Müller e Fábio Assunção.
Em ambos, “Oeste” e “Criança”, as opções foram de valorização dos diálogos, da palavra, em vez da “mise-en-scène”, do espetáculo. Porém, diferentemente de outro autor contemporâneo nos EUA, David Mamet, Shepard representou um rompimento na dramaturgia de seu país, aproximando-a da própria encenação.
Ao menos é assim que ele é visto pelos teóricos que buscam estabelecer o momento em que o texto perde o protagonismo no teatro ocidental, ao longo do século 20.
Shepard é colocado ao lado de outros nomes da vanguarda nova-iorquina dos anos 1960 e 70 e do alemão Heiner Müller, por exemplo, como precursor da criação em conjunto de texto e cena. Seus diálogos enganam, levam ao realismo mais tradicional como a uma armadilha —e quando se cai nela o efeito é soarem áridos.
A alternativa é abraçar a formulação que Sam Shepard teria aprendido com seu mentor ao chegar em Nova York, o diretor Joseph Chaikin, ex-Living Theater: a peça como música.
Foi o que se assistiu em muitos momentos da montagem “A Fábula de um Cozinheiro”, dirigida por William Pereira em 2000, com Cláudio Marzo e Mika Lins.