Folha de S.Paulo

A mulher moderna

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RIO DE JANEIRO - Ninguém comia pipoca no cinema durante um filme de Jeanne Moreau. Ela não permitiria. Se percebesse alguém mastigando na plateia, seria capaz de descer da tela e chamar-lhe a atenção, não para as nuances de sua interpreta­ção, mas de seu personagem —o da mulher madura, consciente e intelectua­l, que ela estava criando no cinema. A mulher que trocava o marido pelo amante (em “Os Amantes”, de Louis Malle) ou era o pivô de um ménage à trois (em “Uma mulher para dois”, de François Truffaut) sem que isso configuras­se pecado, culpa ou punição. Ninguém fazia melhor esses papéis por volta de 1960.

Era por isso que, quando seu amoralismo era pago com a morte no final de “Ligações Amorosas”, de Roger Vadim, baseado no romance de Choderlos de Laclos, aquilo soava falso. Outra atriz no papel podia ser castigada —Moreau, nunca. Seu amor, segundo o ensaísta carioca José Lino Grünewald, talvez seu maior admirador, não era “a-moral”, mas “amor-al”. Para José Lino, ela encarnava a “liberdade responsáve­l” da mulher moderna, que estava passando da “sainté” à “sagesse” —da santidade à sabedoria.

E ninguém caminhava tanto pelas ruas, seguida pela câmera, quanto Jeanne em seus filmes —vide “Ascensor para o Cadafalso”, também de Malle, “A Noite”, de Antonioni, e “Moderato Cantabile”, de Peter Brook, todos daquela época. Os diretores a punham para andar pela cidade, e o espectador ficava autorizado a lhe atribuir o que quisesse em termos de emoções, sensações, sentimento­s —ou vazio.

Ainda segundo Grünewald, ela era uma atriz que não estava “para representa­r”, mas representa­va “para estar”. Daí seu rosto rigoroso, neutro, não bonito, e nem precisava.

Diante dela, mesmo os grandes astros, como Belmondo, Mastroiann­i, Gérard Philipe, não sei por quê, pareciam menores. FLAVIA LIMA ANTONIO DELFIM NETTO

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