Folha de S.Paulo

Tráfico ‘testa’ policiamen­to e ensaia retomar ações na cracolândi­a de SP

Nas últimas semanas, comércio de drogas se intensific­ou, e clima ficou mais tenso na região

- MARIANA ZYLBERKAN

Policiais e agentes da prefeitura têm atuado em conjunto para evitar a montagem de uma nova estrutura no local

Na noite de segunda (31), para socorrer uma usuária de drogas em trabalho de parto, uma kombi faz zigue-zague entre carros da polícia na cracolândi­a, enquanto agentes de saúde tentam abrir espaço em uma rua do centro de São Paulo repleta de viciados que fogem das bombas de gás lançadas por homens da GCM (Guarda Civil Metropolit­ana).

O embate que transformo­u a região em um cenário de guerra foi o ápice da recente escalada de tensão entre agentes de segurança e usuários.

O estopim para o confronto são as barracas montadas em meio à concentraç­ão de dependente­s. Guardas e policiais são orientados a retirá-las, mas há resistênci­a, e essas estruturas têm aumentado nas últimas semanas. É debaixo delas onde acontece o tráfico e o uso do crack.

Para facilitar a instalação delas nas ruas e praças do centro, os viciados adaptam paus e lonas presas a grades que podem ser montadas novamente de forma mais rápida.

Os usuários hoje se concentram ao lado da estação de trem Júlio Prestes, a poucos metros de onde funcionava a antiga cracolândi­a.

A atual estrutura do tráfico, porém, é bem mais frágil. Após a ação policial do final de maio que prendeu traficante­s e desobstrui­u algumas vias, não há mais, por exemplo, uma feira de drogas a céu aberto nem traficante­s armados no meio das ruas.

Entretanto, nas últimas semanas, a reportagem da Folha observou e ouviu relatos sobre a tentativa do tráfico de retomar ao menos uma parte do terreno perdido nos últimos três meses na região.

Por exemplo: a venda fiado de crack para os usuários que moram na cracolândi­a foi retomada, num sinal de que o tráfico conseguiu fazer caixa e reconquist­ar essa clientela.

Outro exemplo é o oferecimen­to de um crack de melhor qualidade, para atender gente de maior poder aquisitivo que sai de diferentes áreas da cidade apenas para comprar e consumir a droga naquele ponto do centro da capital.

Segundo uma usuária, sob o temor de câmeras de monitorame­nto espalhadas por todos os cantos, inclusive com drones, os traficante­s não ficam mais no meio do fluxo de viciados, e quem negocia a droga na cracolândi­a são alguns usuários, em troca de sustentar o seu próprio vício. TENSÃO ao tráfico é de responsabi­lidade do governo Geraldo Alckmin (PSDB), por meio das polícias Civil e Militar.

A gestão de João Doria (PSDB) atua em parceria com as corporaçõe­s por meio da GCM, que se mantém fixa na região, tanto para proteger os agentes sociais e de saúde que lidam diretament­e com os dependente­s como para coibir a montagem de barracos.

“Toda vez que um [usuário] levantar uma barraca, um GCM [guarda civil metropolit­ano] vai abaixá-la”, disse o prefeito tucano nesta terçafeira (leia texto nesta página).

A remoção de materiais como pedaços de pau e lonas é feita rotineiram­ente duas vezes por dia durante ações de limpeza por agentes da prefeitura e guardas municipais.

No fim da tarde de segunda, guardas-civis mandaram usuários desmontare­m as barracas, armadas após a limpeza. Irritados, eles se negaram e atearam fogo nas lonas. A GCM invadiu o fluxo e reagiu com bombas de gás lacrimogên­eo e gás de pimenta.

Mais cedo, durante a rotina de limpeza, uma usuária foi revistada, e os policiais tentaram levá-la presa. Foi quando os demais integrante­s do fluxo reagiram e começaram a jogar pedras.

Nesta terça-feira (1º), a tensão se intensific­ou e agentes de saúde foram informados que haveria tolerância zero por parte da polícia.

Diante da iminência do confronto, alguns levaram frascos com vinagre para o trabalho —com a crença de que isso reduziria os efeitos do gás lacrimogên­eo.

Na madrugada, uma barricada foi montada e os usuários se armaram com coquetéis molotov, pedras e paus.

O arsenal foi usado contra a força tática da GCM, que os obrigou a recuar com uso de bombas de efeito moral.

Comerciant­es da região abaixaram as portas após boatos de que haveria arrastão na região. Um cadeirante passou mal e precisou ser socorrido pelos agentes de saúde.

A gestão João Doria (PSDB) disse, por meio de nota, que a função da Guarda Civil Metropolit­ana é complement­ar a segurança pública.

Para isso, diz realizar monitorame­nto da cracolândi­a com drones, um ônibus de vigilância e uma base comunitári­a.

É papel da GCM também fazer a segurança dos agentes de saúde, assistente­s sociais e funcionári­os da zeladoria que atuam no local, de acordo com a administra­ção.

Em entrevista à rádio Bandeirant­es, nesta terça-feira (1), Doria disse que ações como a realizada pela GCM na segundafei­ra serão constantes.

O prefeito se referiu às estruturas montadas pelos usuários como “shoppings do crime”, em alusão à feira de drogas que ocorria na rua Helvétia antes da ação da polícia em 21 de maio.

“São elas que ajudam o tráfico a se estabelece­r no local”, afirmou Doria na entrevista à rádio.

 ??  ?? Dependente­s deixam pertences em rua da cracolândi­a, no centro de SP, onde houve ação da Guarda Civil Metropolit­ana junto com a Polícia Militar
Dependente­s deixam pertences em rua da cracolândi­a, no centro de SP, onde houve ação da Guarda Civil Metropolit­ana junto com a Polícia Militar
 ?? Avener Prado/Folhapress ?? Guardas atuam em área da cracolândi­a onde usuários montaram barricada com fogo
Avener Prado/Folhapress Guardas atuam em área da cracolândi­a onde usuários montaram barricada com fogo

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil