Não queremos cidade ‘ocupada’, afirma general
DO RIO
Formado há um ano na Divisão de Homicídios (DH), o núcleo de investigação dedicado a mortes de agentes públicos na capital esclareceu quase metade dos casos no período, de acordo com dados da Polícia Civil.
O grupo, que conta com um delegado e dez agentes, solucionou 35 dos 75 inquéritos sobre os homicídios de policiais instaurados desde a sua criação, em agosto de 2016. A taxa de elucidação de 47% do núcleo representa mais que o dobro dos 18% registrados em todos os homicídios do Estado no segundo semestre de 2015 —último dado oficial disponível.
O Estado vem vivendo uma nova escalada de mortes de agentes neste ano, de folga ou em serviço. No ano passado, foram 147 policiais assassinados, maior número em dez anos. Em 2017, já foram 91.
Apesar do alto número de agentes mortos, o delegado Brenno Carnevale, responsável pelo núcleo, diz não haver “uma caçada aos policiais” pelo crime organizado. “Há uma cultura de morte no Rio. Marginais não saem às ruas atrás de policiais. Mas a morte costuma ocorrer quando eles se encontram”, diz.
O grupo foi criado após a DH assumir investigações sobre mortes provocadas por po- liciais em supostos confrontos —sobre os quais o núcleo não tem dados de elucidação.
“Decidimos assim criar um grupo dedicado a essas duas matérias: mortes provocadas por policiais e em que agentes são vítimas”, disse Rivaldo Barbosa, diretor da DH.
A socióloga do Departamento de Segurança da UFF (Universidade Federal Fluminense) Klarissa Platero, que pesquisou em 2012 e 2013 métodos de investigação da DH, afirma que é preciso analisar de que forma os inquéritos estão sendo concluídos.
“A perícia da DH, apesar de ser considerada ‘top’, não costuma identificar autoria. Ela continua a vir de testemunhas e de caráter [descrição do comportamento do suspeito], e não do fato”, afirma.
O delegado Carnevale diz que a identificação, muitas vezes, vem de colegas do agente morto em serviço que estavam na ação. “Nesses confrontos, muitas vezes os policiais visualizam o oponente.”
No caso mais recente, Ivan da Silva Martins, 34, foi reconhecido por colegas do sargento Hudson de Araújo, 46, como um dos autores dos disparos que o mataram no Vidigal (zona sul). Os PMs relataram que o rapaz, que atuou como figurante no filme “Cidade de Deus”, era um dos chefes do tráfico na região.
Para a socióloga Platero, é necessário avaliar se suspeitas estão sendo atribuídas a pessoas apenas pelo fato de elas chefiarem os traficantes locais. O diretor do DH nega.
“É preciso sempre individualizar a conduta de cada um. Mas responde pelo crime não só quem atirou, mas quem concorre pelo crime, como quem manda e quem está atirando junto”, diz Barbosa.
Para o delegado Carnevale, o fato de o assassinato em serviço contar geralmente com testemunhas explica a taxa de elucidação. Dados da PM, porém, mostram que quatro em cada cinco mortes de agentes ocorreram em folga em 2017.
A socióloga Platero afirma que, para avaliar o grupo, também é preciso comparar como ele está tratando as mortes provocadas por policiais.
“É legítima a criação do núcleo, porque policiais estão mais expostos, têm mais risco de morrer. Mas o tratamento tem que ser igualitário.”
Embora não tenha esses dados de elucidação nos casos de agentes autores, o delegado Carnevale diz que o grupo foi criado para que “as informações preliminares dos policiais não baste como verdade”. “Realizamos entre 80 e 90 reproduções simuladas desses casos nesse período.”
O núcleo foi responsável, por exemplo, pelo indiciamento de um PM após a morte de Maria Eduarda, 13, que foi atingida por balas perdidas dentro da escola em abril.
No primeiro semestre de 2017, houve um aumento de 32% nas mortes após intervenção policial na capital —230 óbitos, contra 173 no mesmo período do ano passado.
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O general Sérgio Etchegoyen, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, afirmou que a permanência das Forças Armadas no Rio de Janeiro será breve, pontual e buscará atingir objetivos claros.
“Não queremos uma cidade militarmente ocupada”, disse, durante palestra na capital fluminense nesta terça (1º).
Etchegoyen afirma que o plano de segurança, colocado em prática no Rio desde a semana passada, usará um modelo de operação diferente para as Forças Armadas.
Para ele, a permanência prolongada das tropas nas comunidades, que já foi utilizada em operações anteriores, não produz o efeito desejado: “A princípio, a criminalidade tira férias, mas quando as Forças Armadas vão embora, tudo volta”.
Etchegoyen afirma mirar o longo prazo. “Resultados formidáveis não vão acontecer amanhã.”
A crise no Rio levou o governo federal a autorizar o uso das Forças Armadas para a segurança no Estado —num primeiro momento, com presença ostensiva nas ruas. (CRIS VERONEZ)