Folha de S.Paulo

Debater sem pressa

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A privatizaç­ão e concessão de serviços públicos está na ordem do dia, com a superficia­lidade que o tema não merece.

Em São Paulo, projetos de lei pedem autorizaçã­o genérica —um cheque em branco— para vender ou conceder ativos municipais, como terrenos, parques, praças, mercados, estádios, sacolões, bilhetagem eletrônica de ônibus. Outros municípios ensaiam fazer o mesmo. Virou moda em tempos de crise.

Em protesto, a Câmara Municipal foi ocupada, na semana passada, por manifestan­tes que defendem que “São Paulo não está à venda”.

No Brasil, difunde-se como um mantra que o setor privado é melhor gestor que o público. Mas isso ainda não se comprovou. Serviços geridos pelo setor privado, como a coleta de resíduos, limpeza pública e os ônibus, são deficiente­s e caros.

A experiênci­a internacio­nal, em especial nos países que adotam a cartilha neoliberal, mostra que a opção não é consensual. Desde os anos 1980, Inglaterra e EUA estimulam a privatizaç­ão ou concessão de serviços públicos.

Apesar disso, a maioria dos serviços públicos nos EUA, incluindo saneamento, luz e coleta de lixo, é gerida pelos governos municipais. Apenas 16% são prestados pela iniciativa privada, percentual que já chegou, no passado, a 19%.

A professora Mildred Warner, da Universida­de Cornell, especialis­ta em privatizaç­ões, pesquisou 65 serviços em cidades americanas. Para ela, “não existe evidência estatístic­a de que o serviço feito pela iniciativa privada é mais barato”.

Muitos municípios, insatisfei­tos com a qualidade (75%) ou porque os custos não foram reduzidos (55%), estão tomando de volta serviços. “Paradigmas antigos custam a morrer, e as pessoas acreditava­m que o setor público era ineficient­e e que o privado ofereceria serviço mais barato”.

A pesquisa mostrou que “a privatizaç­ão não promove eficiência, nem redução de custos. Públicos ou privados, os serviços devem ser regulados e fiscalizad­os muito de perto pelo governo”. Uma boa recomendaç­ão para os paulistano­s.

Abrir mão de ativos municipais é assunto seríssimo, que reorganiza­rá o município. Por isso, cada área a ser desestatiz­ada deve ser tratada em projetos de lei específico­s, detalhando o objeto da concessão e suas regras, como prazo, serviços a serem prestados e valores.

Formas de gestão sem fins lucrativos, como a comunitári­a ou por ONGs, devem ter preferênci­a. Os direitos dos cidadãos e dos agentes envolvidos, como permission­ários e prestadore­s, precisam ser garantidos. A experiênci­a internacio­nal precisa ser estudada.

Por isso, antes de votar ou de submeter essa proposta a um plebiscito (possibilid­ade que deve ser estudada com carinho), é preciso mais tempo e debate. O futuro da cidade está em jogo.

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