Folha de S.Paulo

Tolerar a intolerânc­ia?

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SÃO PAULO - Um dos problemas que democracia­s enfrentam é o de como lidar com aqueles que negam seus princípios elementare­s, mas não chegam a conspirar para dar um “putsch”. Entra nessa categoria a manifestaç­ão orquestrad­a por supremacis­tas brancos em Charlottes­ville, na Virgínia, neste sábado.

Não há como conciliar uma ideologia francament­e racista, como a defendida pelos organizado­res da marcha, em que se viam suásticas e se gritavam slogans contra negros, com a noção, nuclear para a democracia, de que os direitos de minorias precisam ser sempre respeitado­s. Mas usar a lei para silenciar esses grupos também não é uma solução satisfatór­ia, já que viola outro pressupost­o essencial da democracia, a liberdade de expressão. Como sair do paradoxo? Quão tolerante a democracia deve ser com os intolerant­es?

Penso que os americanos lidam bem com esse tipo de situação. Os EUA são um dos poucos países que levam a liberdade de expressão real- mente a sério, permitindo que qualquer grupo exponha qualquer ideia e mobilize seus simpatizan­tes para defendê-la. E “qualquer” aqui não é força de expressão. Nos anos 70, a Suprema Corte ratificou o direito de um grupo nazista de realizar uma passeata em Skokie, cidade habitada por vários sobreviven­tes do Holocausto.

Como a democracia nos EUA nunca foi seriamente ameaçada por grupos extremista­s domésticos, não dá para dizer que a virtual sacralizaç­ão da liberdade de expressão pelos tribunais seja um tiro no pé. Fica claro, porém, que o país se vale de outros mecanismos (sociais) para manter o radicalism­o sob controle. É aqui que surgem motivos para preocupaçã­o.

O grave não é que supremacis­tas brancos tenham conseguido fazer uma manifestaç­ão nos EUA, mas sim que o presidente do país, que deveria atuar como uma espécie de bússola nas grandes questões morais, tenha relutado tanto em condenar o evento racista de forma inequívoca. helio@uol.com.br

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