Há dez anos, ‘Cansei’ dava a Doria projeção e o cacifava como anti-Lula
DE SÃO PAULO
Se hoje é o bordão #acelera que move o prefeito João Doria, foi sob o símbolo da fatiga que o tucano entrou na berlinda nacional.
Há exatos dez anos, o então empresário e apresentador do programa “Show Business” capitaneava o Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros —vulgo Cansei.
A canseira de 2007 —com caos aéreo, corrupção, bala perdida e, mais subliminarmente, o governo petista de Lula— contagiou uma ala jovem da Fiesp, a OAB-SP e personalidades como Hebe Camargo, Ivete Sangalo e Regina Casé. Nizan Guanaes idealizou uma campanha de TV que pedia: “Mostre indignação”.
Mas o grupo também foi tachado de “golpista” e virou alvo de achincalhação de grãopolíticos como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-governador Claudio Lembo —para quem era “coisa de dondocas enfadadas”.
O maior protesto dos cansados reuniu, em 17 de agosto, 2.000 pessoas (segundo a PM) ou 5.000 (nas contas do grupo) na praça da Sé. A localização indispôs Doria e o recém-nomeado arcebispo de São Paulo. Dom Odilo Scherer vetou a realização do ato na catedral da Sé, por nele ver “claramente um cunho cívico-político, não um religioso”.
O entrevero entre a dupla não parou por ali. “Nunca tive notícia, no pior momento da ditadura, de você proibir um culto ecumênico dentro de igreja, quanto mais na Sé. Se o arcebispo viu conotação política no Cansei, viu errado”, afirmou o Doria de 2007. ANTI-LULA O agora prefeito conta que a vida política à época não lhe passava pela cabeça. O que se manteve, diz o tucano à Folha, foi a aversão a Lula, “que na época estava no auge da popularidade, com mais de 60%”.
Em pesquisa Datafolha daquele agosto, o governo petista aparecia com 48% de aprovação. A taxa de insatisfação entre os que viajavam de avião era o dobro da média nacional. O acidente da TAM que matou 199 pessoas em Congonhas ocorrera em julho, e um mês antes a crise aérea já era assunto —que não merecia tanto auê assim, segundo a ministra do Turismo no momento, Marta Suplicy, que recomendou aos passageiros: “Relaxa e goza”.
Também na linha de frente do Cansei veio Luiz Flávio D’Urso, que presidia a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) paulista e hoje defende o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto na Lava Jato.
Então presidente da Philips no Brasil, Paulo Zottolo justificou a adesão ao movimento com uma frase ao “Valor Econômico” pela qual depois se desculpou: “Não se pode pensar que o país é um Piauí. Se o Piauí deixar de existir, ninguém vai ficar chateado”.
Ele agora mora em Miami e desanca o PSDB de Doria no Facebook (“uma vergonha como partido!”). Não que o amigo tenha perdido sua estima. “Acredito que Doria vai ser a nova cara de um PSDB moderno”, afirma Zottolo, para quem o Cansei foi uma pioneira “atitude da sociedade civil contra [a corrupção] que começava a aparecer do lulopetismo”. CANSADOS DA SÉ Pulularam celebridades no ato da Sé. Deixada pelo motorista de sua Mercedes-Benz na Sé, Hebe (1929-2012) se dizia “do povo”. Agnaldo Rayol cantou o “Hino Nacional”. Ivete não falou ao público e, à Folha, limitou-se a declarar que lá estava “em prol do Brasil”.
Um Brasil já prenhe da polarização que hoje embala o debate político —a começar pelo racha no mundo artístico.
Seu Jorge aderiu. “Pelo Brasil, eu tava na cadeia, no subemprego, sacou? Então cansei de tudo, qualquer coisa que eu faça é R$ 100 mil, R$ 300 mil de imposto que eu pago.”
Luciano, ao contrário do irmão Zezé Di Camargo, preferiu nãoir.Dissequelançariaacontrapartida Caguei e provocou, como narrou a coluna “Mônica Bergamo” na Folha: “Como vou apoiar um movimento liderado por alguém que promove desfile de cachorros?”.
Lembo (DEM), vice de Geraldo Alckmin que assumiu o Palácio dos Bandeirantes quando o tucano disputou a eleição de 2006, também ironizou: o Cansei “deve ter começado em Campos do Jordão”. O prefeito tem casa na cidade, onde organizava o Passeio de Cães —evento anual que ganhou destaque na “Caras” em 2011, com foto de Doria e o “fofo bicho Bee Fag”.
Uma crítica de FHC à iniciativa foi transcrita em comunicado enviado a Washington pelo então cônsul dos EUA e vazado pelo WikiLeaks. “Como [o tucano] comentou recentemente, [Cansei] não é um lema que Luther King escolheria para inspirar seus seguidores”, escreveu Thomas White.
Procurado, o ex-presidente afirmou que prefere não comentar o caso. Tampouco Doria quis voltar ao assunto.