Folha de S.Paulo

Menções a mortos recheiam Lava Jato

Ex-presidente do PSDB, Sérgio Guerra foi citado meses depois de morrer; Eduardo Campos é alvo desde tragédia

- THAIS BILENKY FELIPE BÄCHTOLD

O senhor vai me perdoar: mais um morto. A gente começa a contar essas histórias, embora essa seja recente, mas tem história que vai para 20, 30 anos atrás, aparece uma porção de mortos

Morto em 2010, exdeputado José Janene foi acusado inclusive de ameaçar empreiteir­as para receber propina

Com um sorriso contido e efêmero, o ex-presidente da Odebrecht Pedro Novis interrompe­u a narrativa de sua delação premiada, em dezembro de 2016, para se desculpar com representa­ntes do Ministério Público.

“O senhor vai me perdoar: mais um morto”, introduziu. “A gente começa a contar essas histórias, embora essa seja recente, mas tem história que vai para 20, 30 anos atrás, aparece uma porção de mortos.” O procurador respondeu apenas: “Sei”.

Novis chegava ao segundo morto de sua história, Rubens Jordão, que trabalhava em 2012 com José Serra (PSDB) e teria sido o receptador de repasses no caixa dois da campanha do tucano à Prefeitura de São Paulo, embora fosse fundador do PSD ao lado de Gilberto Kassab.

“Num certo momento mais recente [2013], ele deu cabo à vida, já não existe mais”, observou o delator.

O outro personagem mencionado foi o ex-presidente do PSDB Sérgio Guerra. O primeiro tucano envolvido na Lava Jato foi citado pelo exdiretor da Petrobras Paulo Roberto Costa meses depois de sua morte, em 2014.

Primeiro delator da opera- ção, Costa disse que Guerra exigiu R$ 10 milhões para enterrar, em 2009, a CPI da Petrobras, da qual era membro.

Colega na CPI, até então no PSDB, senador Alvaro Dias, hoje no Podemos, saiu em sua defesa. “Cobrei por anos a instauraçã­o dos inquéritos. Agora acusam uma pessoa morta de ter recebido propina. Coisa esquisita”, lançou.

Dois anos depois, um vídeo mostrou a reunião em que Costa e Guerra acertaram o repasse. O tucano diz na gravação que tentaria “controlar” Dias, que queria tocar os trabalhos da comissão adiante. “Foi uma decepção enorme”, diz agora o senador.

Em 2014, o PSDB se restringiu a dizer que apoiava a Lava Jato, sem entrar em pormenores. Em 2016, Novis voltou à carga: afirmou que foi Guerra quem negociou o repasse de R$ 23 milhões à campanha presidenci­al de Serra em 2010. O tucano nega. MARISA LETÍCIA Outra menção foi feita pelo ex-presidente Lula (PT) ao juiz Sergio Moro, em maio de 2017, quando o petista atribuiu à mulher, Marisa Letícia, morta em fevereiro, decisões sobre o tríplex de Gua-

PEDRO NOVIS

ex-presidente da Odebrecht rujá (SP), caso em que depois foi condenado. “Não sei se o senhor tem mulher, mas nem sempre ela pergunta para a gente o que vai fazer”, disse. A afirmação gerou reações variadas, de críticas a piadas.

Moro, na sentença em que condenou o ex-presidente, considerou a explicação insatisfat­ória.

Marisa era ré em duas ações penais, e a possibilid­ade de ser punida foi extinta.

Morto em acidente aéreo em meio à campanha de 2014, o ex-governador pernambuca­no Eduardo Campos (PSB) vem sendo alvo de delatores desde a tragédia.

No mais recente episódio, o diretor da J&F (controlado­ra da JBS) Ricardo Saud disse ter pago R$ 14,6 milhões para a sua campanha por meio de caixa dois, incluindo dinheiro em espécie. Com a morte do então presidenci­ável, disse Saud, o compromiss­o com a campanha foi honrado e correligio­nários pediram ainda mais repasses.

Em 2016, Campos também protagoniz­ou, mesmo morto, a denúncia oferecida contra o senador Fernando Bezerra (PSB), acusado de cobrar propina em obras em Pernambuco —o congressis­ta nega.

Em abril, após a divulgação de mais acusações, na ocasião pela Odebrecht, Marina Silva (Rede), que assumiu a candidatur­a presidenci­al do PSB após o acidente, saiu em defesa de seu ex-colega de chapa e disse que “ninguém é, a priori, culpado ou inocente”.

Também na delação da JBS, uma das principais da Lava Jato, Ricardo Saud disse que tratou de uma doação oficial para “comprar” o apoio do PMN ao tucano Aécio Neves, na eleição de 2014, com “Telma” —Telma dos Santos foi presidente do partido de 2014 até morrer, em 2016.

O atual presidente, Carlos Massarollo, diz que não houve ilegalidad­e e lamenta: “Ela não está aqui para se defender e quem sucedeu não tem as informaçõe­s”. ‘A CULPA É DELE’ Mas não só menções a pessoas que já morreram permeiam a Lava Jato. No caso do exdeputado federal pelo PP José Janene, morto em 2010, a situação vai além: ele foi apontado como culpado por delatores e acusados pelos pagamentos a empreiteir­as que atuavam na Petrobras.

Executivos de empresas como Mendes Júnior disseram que pagavam propina porque eram ameaçados pelo ex-congressis­ta. “As conversas sobre isso eram impositiva­s”, disse o empresário Augusto Mendonça, em depoimento.

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Carlos Ezequiel Vannoni - 3.jan.2014/Agência JCM/Fotoarena Eduardo Campos (à esq.) e Sérgio Guerra aparecem em episódios na Petrobras e na JBS

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