Tensão entre nacionalistas e ‘antifas’ cresce
Levou dois dias e custou a pressão de aliados e críticos, mas nesta segunda (14) o presidente Donald Trump condenou a violência em nome do racismo em Charlottesville, na Virgínia, no sábado, e disse que a Ku Klux Klan, os neonazistas e supremacistas brancos são “repugnantes”.
“O racismo é maligno. E aqueles que causam violência em seu nome são criminosos e bandidos, incluindo a KKK, os neonazistas, os supremacistas brancos e outros grupos de ódio que são repugnantes a tudo o que apreciamos como americanos”, disse Trump, em pronunciamento convocado após reunião com seu secretário de Justiça, Jeff Sessions, e o novo diretor do FBI (polícia federal americana), Christopher Wray.
Trump vinha sendo criticado por ter, no sábado, condenado a violência “de muitos lados” e não ter sido explícito sobre a ação dos supremacistas brancos. Um dos participantes da marcha, James Fields Jr., 20, avançou com um carro sobre um grupo que protestava contra os extremistas, matando Heather Heyer, 32, e ferindo 19.
Outras 15 pessoas já tinham saído feridas de um confronto entre os dois grupos de manifestantes.
Antes de Trump, membros de seu gabinete e até Ivanka, sua filha e assessora, tinham sido mais veementes ao condenar os supremacistas.
Richard Spencer, um dos principais nomes da direita alternativa (“alt-right”, mo- vimento com o qual se identificam supremacistas brancos, grupos homofóbicos e anti-imigrantes), disse, nesta segunda, não ver a declaração de Trump como crítica à marcha que convocou.
“Não acho que ele nos condenou. Ele disse ‘nacionalista branco’ [como Spencer se identifica]? ‘Racista’ significa quem tem ódio irracional das pessoas. Não acho que ele estava falando de nós.” DISTÂNCIA As declarações de Spencer e os agradecimentos a Trump feitos por membros de grupos supremacistas no fim de semana mostram o desafio que o presidente terá para demarcar sua distância dos extremistas —muitos deles, abertamente seus eleitores.
“Eu recomendaria que você se olhasse bem no espelho e se lembrasse que foram os americanos brancos que o colocaram na Presidência, não os esquerdistas radicais”, escreveu David Duke, ex-líder da KKK que participou da marcha em Charlottesville.
A presença na Casa Branca do estrategista-chefe Steve Bannon, que comandava o site alt-right Breitbart, pro- mete ficar ainda mais incômoda. Nesta segunda, a líder democrata da Câmara, Nancy Pelosi, disse que Trump deveria demitir Bannon após as mortes em Charlottesville (além de Heyer, dois policiais morreram na queda de um helicóptero, que está sendo investigada).
Lideranças conservadoras e do Partido Republicano tentaram afastar qualquer sombra de associação com os fascistas, cuja marcha fora batizada de “Unir a Direita”. “Não há espaço para supremacistas brancos, neonazistas ou KKK no Partido Republicano”, disse a presidente do Comitê Nacional Republicano, Ronna McDaniel.
No site da União Conservadora Americana (ACU), a faixa de maior destaque diz que “os supremacistas brancos de Charlottesville são terroristas domésticos”.
Em fevereiro, a conferência anual da ACU já mostrava como a alt-right era vista como uma pedra no sapato dos conservadores tradicionais. Spencer, que não havia sido convidado, por exemplo, foi expulso do congresso — não sem antes ser assediado por participantes pedindo para tirar selfies.
“O movimento supremacista branco é um grande desafio para os conservadores e republicanos, em parte porque há um vácuo de ideias no movimento conservador hoje”, diz John White, professor da Universidade Católica da América, em Washington.
“O que significa o conservadorismo do século 21? A falta de respostas convincentes para essa pergunta dá espaço para a ‘alt-right’ e os supremacistas.”
As tensões podem se exacerbar nos Estados Unidos nas próximas semanas. Supremacistas brancos pediram autorização para sua próxima manifestação, em16 de setembro, em Richmond, na Virgínia.
Lá, também irão protestar contra a possível remoção de um monumento ao general Robert E. Lee, que liderou as tropas confederadas (a favor da escravidão) na Guerra Civil. Caso autorizado, o protesto pode mais uma vez encontrar resistência do movimento negro Black Lives Matter, de ativistas de esquerda em geral, e da Antifa, grupo antifascista que se opõe a supremacistas brancos.
O movimento Antifa vem crescendo desde a eleição de Donald Trump, no ano passado, e deve se fortalecer com a relutância do presidente de condenar o protesto dos neonazistas em Charlottesville, que acabou com uma pessoa morta e 19 feridas.
Inspirados nos movimentos contra as ditaduras na Espanha, Itália e Alemanha nos anos 30, os “antifas” organizam-se online e não repudiam o uso de violência. No dia da posse de Trump, queimaram sacos de lixos, quebraram vitrines e um deles acertou com um soco Richard Spencer, líder do movimento nacionalista branco alt-right.
Em fevereiro, eles protestaram de forma violenta contra uma palestra que o ativista de direita Milo Yiannopoulos daria em Berkeley, aos gritos de “Não ao ódio, não à KKK (Ku Klux Klan), não aos EUA fascistas”.
Os “antifas” estavam presentes no protesto de Charlottesville em número reduzido e se portaram de forma pacífica, na maior parte dos casos. Spencer, em entrevista nesta segunda-feira (14), chamou os ativistas de “punks babacas” “Éramos 20 para cada um dos Antifa, poderíamos ter matado esses caras com nossas próprias mãos. Mas não queríamos violência, queríamos só apresentar nossa mensagem bonita e poderosa.”
Os supremacistas brancos que apoiaram a eleição de Trump ainda são um movimento bem mais forte do que os “antifas”.
“É uma das noites mais empolgantes da minha vida! não se enganem, nossa gente teve um papel enorme na eleição de Trump”, tuitou David Duke, ex-líder da KKK, no dia da eleição.
O mesmo Duke ressentiu-se da leve condenação que Trump fez à violência em Charlottesville, mas, durante a manifestação, havia demonstrado como os supremacistas se sentem encorajados pelo republicano. “Nós vamos concretizar as promessas de Trump, é por isso que votamos nele, porque ele vai trazer nosso país de volta para a gente.”
Duke não está sozinho na sua empolgação. Em posts depois do episódio, o site neonazista Daily Stormer afirmou: “Vamos começar a fazer isso sem parar. Vamos fazer eventos bem maiores do que esse de Charlottesville.”