Folha de S.Paulo

Tensão entre nacionalis­tas e ‘antifas’ cresce

- MICHIGAN PATRÍCIA CAMPOS MELLO

Levou dois dias e custou a pressão de aliados e críticos, mas nesta segunda (14) o presidente Donald Trump condenou a violência em nome do racismo em Charlottes­ville, na Virgínia, no sábado, e disse que a Ku Klux Klan, os neonazista­s e supremacis­tas brancos são “repugnante­s”.

“O racismo é maligno. E aqueles que causam violência em seu nome são criminosos e bandidos, incluindo a KKK, os neonazista­s, os supremacis­tas brancos e outros grupos de ódio que são repugnante­s a tudo o que apreciamos como americanos”, disse Trump, em pronunciam­ento convocado após reunião com seu secretário de Justiça, Jeff Sessions, e o novo diretor do FBI (polícia federal americana), Christophe­r Wray.

Trump vinha sendo criticado por ter, no sábado, condenado a violência “de muitos lados” e não ter sido explícito sobre a ação dos supremacis­tas brancos. Um dos participan­tes da marcha, James Fields Jr., 20, avançou com um carro sobre um grupo que protestava contra os extremista­s, matando Heather Heyer, 32, e ferindo 19.

Outras 15 pessoas já tinham saído feridas de um confronto entre os dois grupos de manifestan­tes.

Antes de Trump, membros de seu gabinete e até Ivanka, sua filha e assessora, tinham sido mais veementes ao condenar os supremacis­tas.

Richard Spencer, um dos principais nomes da direita alternativ­a (“alt-right”, mo- vimento com o qual se identifica­m supremacis­tas brancos, grupos homofóbico­s e anti-imigrantes), disse, nesta segunda, não ver a declaração de Trump como crítica à marcha que convocou.

“Não acho que ele nos condenou. Ele disse ‘nacionalis­ta branco’ [como Spencer se identifica]? ‘Racista’ significa quem tem ódio irracional das pessoas. Não acho que ele estava falando de nós.” DISTÂNCIA As declaraçõe­s de Spencer e os agradecime­ntos a Trump feitos por membros de grupos supremacis­tas no fim de semana mostram o desafio que o presidente terá para demarcar sua distância dos extremista­s —muitos deles, abertament­e seus eleitores.

“Eu recomendar­ia que você se olhasse bem no espelho e se lembrasse que foram os americanos brancos que o colocaram na Presidênci­a, não os esquerdist­as radicais”, escreveu David Duke, ex-líder da KKK que participou da marcha em Charlottes­ville.

A presença na Casa Branca do estrategis­ta-chefe Steve Bannon, que comandava o site alt-right Breitbart, pro- mete ficar ainda mais incômoda. Nesta segunda, a líder democrata da Câmara, Nancy Pelosi, disse que Trump deveria demitir Bannon após as mortes em Charlottes­ville (além de Heyer, dois policiais morreram na queda de um helicópter­o, que está sendo investigad­a).

Lideranças conservado­ras e do Partido Republican­o tentaram afastar qualquer sombra de associação com os fascistas, cuja marcha fora batizada de “Unir a Direita”. “Não há espaço para supremacis­tas brancos, neonazista­s ou KKK no Partido Republican­o”, disse a presidente do Comitê Nacional Republican­o, Ronna McDaniel.

No site da União Conservado­ra Americana (ACU), a faixa de maior destaque diz que “os supremacis­tas brancos de Charlottes­ville são terrorista­s domésticos”.

Em fevereiro, a conferênci­a anual da ACU já mostrava como a alt-right era vista como uma pedra no sapato dos conservado­res tradiciona­is. Spencer, que não havia sido convidado, por exemplo, foi expulso do congresso — não sem antes ser assediado por participan­tes pedindo para tirar selfies.

“O movimento supremacis­ta branco é um grande desafio para os conservado­res e republican­os, em parte porque há um vácuo de ideias no movimento conservado­r hoje”, diz John White, professor da Universida­de Católica da América, em Washington.

“O que significa o conservado­rismo do século 21? A falta de respostas convincent­es para essa pergunta dá espaço para a ‘alt-right’ e os supremacis­tas.”

As tensões podem se exacerbar nos Estados Unidos nas próximas semanas. Supremacis­tas brancos pediram autorizaçã­o para sua próxima manifestaç­ão, em16 de setembro, em Richmond, na Virgínia.

Lá, também irão protestar contra a possível remoção de um monumento ao general Robert E. Lee, que liderou as tropas confederad­as (a favor da escravidão) na Guerra Civil. Caso autorizado, o protesto pode mais uma vez encontrar resistênci­a do movimento negro Black Lives Matter, de ativistas de esquerda em geral, e da Antifa, grupo antifascis­ta que se opõe a supremacis­tas brancos.

O movimento Antifa vem crescendo desde a eleição de Donald Trump, no ano passado, e deve se fortalecer com a relutância do presidente de condenar o protesto dos neonazista­s em Charlottes­ville, que acabou com uma pessoa morta e 19 feridas.

Inspirados nos movimentos contra as ditaduras na Espanha, Itália e Alemanha nos anos 30, os “antifas” organizam-se online e não repudiam o uso de violência. No dia da posse de Trump, queimaram sacos de lixos, quebraram vitrines e um deles acertou com um soco Richard Spencer, líder do movimento nacionalis­ta branco alt-right.

Em fevereiro, eles protestara­m de forma violenta contra uma palestra que o ativista de direita Milo Yiannopoul­os daria em Berkeley, aos gritos de “Não ao ódio, não à KKK (Ku Klux Klan), não aos EUA fascistas”.

Os “antifas” estavam presentes no protesto de Charlottes­ville em número reduzido e se portaram de forma pacífica, na maior parte dos casos. Spencer, em entrevista nesta segunda-feira (14), chamou os ativistas de “punks babacas” “Éramos 20 para cada um dos Antifa, poderíamos ter matado esses caras com nossas próprias mãos. Mas não queríamos violência, queríamos só apresentar nossa mensagem bonita e poderosa.”

Os supremacis­tas brancos que apoiaram a eleição de Trump ainda são um movimento bem mais forte do que os “antifas”.

“É uma das noites mais empolgante­s da minha vida! não se enganem, nossa gente teve um papel enorme na eleição de Trump”, tuitou David Duke, ex-líder da KKK, no dia da eleição.

O mesmo Duke ressentiu-se da leve condenação que Trump fez à violência em Charlottes­ville, mas, durante a manifestaç­ão, havia demonstrad­o como os supremacis­tas se sentem encorajado­s pelo republican­o. “Nós vamos concretiza­r as promessas de Trump, é por isso que votamos nele, porque ele vai trazer nosso país de volta para a gente.”

Duke não está sozinho na sua empolgação. Em posts depois do episódio, o site neonazista Daily Stormer afirmou: “Vamos começar a fazer isso sem parar. Vamos fazer eventos bem maiores do que esse de Charlottes­ville.”

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Justin Ide/Reuters Moradores de Charlottes­ville, Virgínia, deixam flores no local onde Heather Heyer morreu atropelada por supremacis­ta

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