ANÁLISE O populismo respira com aparelhos, mas ainda respira
FOLHA
O populismo, esse fenômeno político amado e odiado em proporções parecidas, respira por aparelhos, mas respira na Argentina, que inventou a sua expressão mais duradoura, o peronismo.
É o que se pode deduzir do empate entre o candidato presidente Mauricio Macri (campeão do antipopulismo) e a ex-presidente Cristina Kirchner, a mais recente encarnação do populismo, nas primárias deste domingo (13).
As primárias funcionam, pois, como uma gigantesca pesquisa, não a tradicional boca de urna, mas, digamos, dentro de urna, já que todos os eleitores devem votar.
Pois bem: com 95% dos votos apurados, Esteban Bullrich, candidato de Macri a senador pela província de Buenos Aires, tinha 34,18%, contra 34,11% de Cristina.
A província de Buenos Aires é o maior colégio eleitoral do país, com 38% dos votantes. A presença de Cristina na disputa dava às primárias locais um caráter plebiscitário, contra ou a favor do governo. Por extensão, contra ou a favor das reformas liberalizantes que Macri adota desde que assumiu, no final de 2015.
Só por este resultado não dá para dizer quem ganhou esse plebiscito. Cristina, com a retórica triunfalista de sempre, cantou que “dois de cada três cidadãos disseram ‘não’ ao ajuste”, que Macri chama de “mudança”.
Se essa conta correspondesse à realidade, de fato o macrismo teria ficado com apenas um terço dos votos. Mas não é bem assim: o terceiro colocado foi Sergio Massa, ex-chefe de gabinete de Cristina na Presidência,que hoje está mais próximo de Macri do que da ex-chefe.
Além disso, se se olhar as primárias para além da província de Buenos Aires, temse um resultado nitidamente favorável à Cambiemos, a coligação de Macri. No Senado, pelos cálculos do jornal “Clarín”, passará de 15 para 24 cadeiras, enquanto o kirchnerismo cai de 41 para 37 (números preliminares, pois falta apurar 3% dos votos).
Se a apuração dos votos restantes der a vitória a Cristina, ficará claro que não ocorreu o que Joaquín Morales Solá, colunista de “La Nación” e crítico de Cristina, chamou de “definitivo cansaço com o populismo”, mas tampouco terá havido a avalanche eleitoral que costuma caracterizar o peronismo.
O resultado definitivo ficará para outubro, mas o plebiscito que houve na Argentina em relação às reformas de Macri tende a se repetir por aqui em 2018, com a diferença de que Macri é infinitamente mais popular que Michel Temer. Repetir-se-á também a relativa indefinição do voto na Argentina?