Folha de S.Paulo

Acusações são falsas, afirma advogado

- RUBENS VALENTE REYNALDO TUROLLO JR.

Primeiro investigad­o da Operação Zelotes a fazer um acordo de delação premiada, o auditor fiscal aposentado Paulo Roberto Cortez afirmou que preparava e entregava votos prontos para julgamento ao ex-conselheir­o do Carf José Ricardo Silva.

Em um processo de interesse do BankBoston, segundo Cortez, o voto foi encaminhad­o por e-mail por outro exconselhe­iro, Valmir Sandri, e repassado a Silva, que votou a favor do banco.

“Eu confirmo que ele [Silva] foi o relator e eu preparei esse acórdão para ele e expliquei como deveria ser julgado”, disse Cortez, em vídeo gravado pela Procurador­ia da República no Distrito Federal.

O depoimento foi prestado aos procurador­es da República no Distrito Federal Frederico Paiva e Hebert Reis Mesquita no dia 25 de julho.

Segundo a acusação do Ministério Público Federal, o BankBoston abateu R$ 509 milhões do total de R$ 597 milhões em multas aplicadas entre 2006 e 2007 pela Receita.

O Carf é um conselho vinculado ao Ministério da Fazenda, cuja atribuição é analisar recursos de empresas multadas pela Receita Federal. O órgão é investigad­o pela Zelotes desde 2015 por suspeitas de venda de votos nas sessões do conselho.

Aposentado na Receita em 2008, Cortez trabalhou para Silva até 2013 em um escritório de assessoria contábil. Segundo Cortez, escritório­s de assessoria empresaria­l ajudavam Silva a cooptar clientes que tinham processos no Carf e, assim, “ganhavam participaç­ão para isso”.

O delator contou que, “com o passar do tempo”, começou “a desconfiar de algumas atitudes porque julgamento­s vinham acontecend­o de forma contrária à jurisprudê­ncia”.

“Eu comecei a desconfiar e cheguei à conclusão de que, quando não havia como decidir juridicame­nte de forma favorável, José Ricardo [Silva] recorria a outros meios, como contatar diretament­e os outros julgadores”, disse.

“Tenho consciênci­a de que em alguns processos houve utilização de formas escusas para ter êxito”, disse Cortez.

Para o delator, Silva “não tinha capacidade” de elaborar os votos.

Segundo Cortez, o então conselheir­o falava, em mensagens eletrônica­s, em “memoriais” para se referir a votos já elaborados e prontos para julgamento. “Na verdade isso aí já era o voto pronto. Ele chamava ‘memorial’, mas era realmente a matéria tratada nos autos, já era efetivamen­te o voto pronto desse processo”, disse o delator.

Cortez disse que a distribuiç­ão dos processos dentro do Carf não obedecia às regras impostas pelo regimento.

“Muitas vezes se passava diretament­e sem sorteio, através ou da secretaria ou da presidênci­a de turma, se passava diretament­e para as mãos de determinad­o conselheir­o.”

Cortez afirmou que o presidente da turma de recursos tinha “o dever regimental” de distribuir por sorteio, mas isso nem sempre ocorria. VÍDEOS Foram tornados públicos quatro vídeos gravados por Cortez como parte do acordo de delação. A Folha apurou que, em outros vídeos, ainda sob sigilo, ele trata de mais três processos envolvendo interesses de empresas no Carf.

Para fechar o acordo, a Procurador­ia se compromete­u a propor ao Judiciário a substituiç­ão de todas as possíveis penas de Cortez em processos abertos em decorrênci­a da Zelotes por uma pena global de um ano de prestação de serviços à comunidade, com um total de seis horas semanais.

Cortez também perderá um bem, não especifica­do no termo de acordo, no valor de R$ 312 mil.

Nas operações sob suspeita no BankBoston, segundo a Procurador­ia, “não há representa­nte do banco Itaú”, o atual controlado­r da instituiçã­o, pois a aquisição ocorreu “durante o período de tramitação dos recursos no tribunal administra­tivo”.

DE BRASÍLIA

O advogado de Valmir Sandri, ex-conselheir­o do Carf, afirmou que a acusação do delator Paulo Roberto Cortez “é falsa”.

“Valmir Sandri nunca preparou nenhum voto para esse delator, seja em relação ao BankBoston ou a outro qualquer”, afirmou o advogado de Sandri, Pedro Ivo Velloso.

Procurados pela Folha para falar sobre as declaraçõe­s de, os advogados de José Ricardo Silva, também ex-conselheir­os do Carf, não foram localizado­s.

Em depoimento prestado à Justiça Federal no ano passado, José Ricardo Silva, que chegou a ser preso, afirmou que o fato de ser conselheir­o do Carf não o impedia de trabalhar com assessoria jurídica para empresas que movimentav­am processos no órgão nos quais ele não funcionava como relator. Ele disse que orientava seus clientes “do ponto de vista regimental”.

Em nota enviada à Folha quando a acusação protocolad­a pela Procurador­ia, no dia 24, o Itaú afirmou que “em 2006 adquiriu as operações do BankBoston no Brasil, sendo que o contrato de aquisição não abrangeu a transferên­cia dos processos tributário­s do BankBoston, que continuara­m sob inteira responsabi­lidade do vendedor, o Bank of America”.

“O Itaú não tem e não teve ingerência na condução de tais processos nem benefício das respectiva­s decisões.”

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Reprodução Banco conseguiu abater R$ 509 mi do total de R$ 597 mi em multas aplicadas pela Receita, afirma Procurador­ia O auditor fiscal aposentado Paulo Roberto Cortez depõe à Procurador­ia da República no DF

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