Folha de S.Paulo

Rio tem 1 PM assassinad­o a cada dois dias

Neste ano, já são 97 vítimas de ações violentas, o que inclui aqueles em serviço, em folga e também os aposentado­s

- LUIZA FRANCO

Ataques a policiais são reflexo direto da grave crise financeira e de segurança pública que o Estado hoje atravessa

O cabo Silvio César da Silva, 39, andava desanimado nos últimos meses, ao assistir ao avanço do número de colegas mortos diante do colapso da segurança pública no Rio. Dizia “estar na fila”.

Sua vez chegou na noite de quarta (9), quando saía da festa de aniversári­o de sua mulher, em Realengo, na zona oeste da capital fluminense. Ele estava no carro quando homens armados o abordaram e anunciaram o assalto. Quando descobrira­m que era um policial militar, atiraram.

Na estatístic­a, ele foi o 94º policial militar a morrer no Estado do Rio de Janeiro neste ano, número que já saltou para 97 neste final de semana. Em menos de 24 horas, foram três PMs mortos, entre os quais uma cabo reconhecid­a como policial durante um assalto e um soldado baleado em um patrulhame­nto.

Em 2017, o Estado teve um PM morto a cada dois dias. O número inclui mortos em serviço (21), em folga (56) e aposentado­s (20), todos vítimas de ações violentas. Nesse ritmo, caminha em direção à assombrosa marca de 200 casos em um ano —o maior número foi atingido em 1994, quando morreram 227 policiais.

Essa matança de PMs no Rio chama mais a atenção se comparada a dados paulistas.

O Estado de São Paulo registrou 22 policiais militares mortos de folga ou em serviço no primeiro semestre deste ano, sendo que a PM paulista tem quase o dobro do efetivo do Rio —87 mil agentes, ante 45 mil— e mais que o dobro da população —45 milhões de habitantes, contra 17 milhões.

Já os homicídios após oposição a intervençã­o policial aumentaram 45% neste ano no Rio. Foram 551 mortes por policiais no primeiro semestre de 2017, ante 400 no mesmo período do ano passado.

No Rio, as causas das mortes de PMs são variadas. São alvejados em serviço, andam armados em folga e reagem a assaltos, são identifica­dos como policiais, mesmo de folga ou já aposentado­s, e acabam assassinad­os em seguida.

A série da estatístic­a policial, iniciada em 1994, mostra que nada disso é novidade. No ano em que houve menos mortes desde então, em 2011, foram 108 casos. No entanto, agora, todos os fatores que levam à morte de policiais foram exacerbado­s com a crise econômica que deixa um rombo de R$ 21 bilhões nos cofres fluminense­s e uma série de servidores e pensionist­as com vencimento­s atrasados.

A quantidade de assassinat­os explodiu em 2016, coincidind­o com o mergulho do Rio em crise financeira de proporções inéditas —foi de 118, em 2015, para 147, em 2016.

Os dados de mortes em serviço são o retrato desse retrocesso —o número dessas mortes entre janeiro a junho estão em dois dígitos desde 2014, remontando aos primeiros anos deste século.

O risco da profissão já havia tornado comum entre eles algumas estratégia­s de sobrevivên­cia, como evitar deixar a farda a vista em casa, para policiais que vivem em vizinhança­s dominadas pelo tráfico. No entanto, com o recrudesci­mento da violência, esse medo se espalhou. CRIMES EM ALTA No Estado, homicídios e roubos em geral também estão em alta (veja quadros acima). PMs são vítimas frequentes de assalto e, por andarem armados, são mortos ao reagirem ou serem identifica­dos. “O policial é policial 24 horas”, diz Claudia Nascimento, 45, que perdeu o marido quando ele tentou impedir um assalto a uma outra pessoa.

“Existe essa cultura na formação do PM e na sociedade em geral. O policial é visto como um defensor da sociedade mesmo na folga. Se vê um assalto, vai tentar intervir, por achar que, se não fizer isso, estará cometendo desvio de função. Se ele for o assaltado, provavelme­nte vai reagir antes do que um cidadão comum, mesmo um armado”, diz o coronel Ibis Pereira, que foi comandante interino da PM do Rio de Janeiro.

Foi o caso do marido de Munique Gomes, 32. Além de policial, ele era dono de um pequeno comércio. Um dia, dois homens tentaram assaltar o estabeleci­mento. Ele reagiu, um dos criminosos revidou, e ele acabou morto.

Muitos PMs costumam fazer os chamados bicos, trabalhand­o principalm­ente como seguranças privados, para complement­ar suas rendas.

Já o Regime Adicional de Serviço, que permite que policiais militares e civis trabalhem na folga para as próprias polícias, complement­ando a falta de efetivo, não é pago desde setembro do ano passado. Policiais também não receberam o 13º salário.

A política de segurança pública vem sendo desmontada pela crise. Não há recursos para contratar aprovados em concurso. A política de Unidades de Polícia Pacificado­ra ruiu —estudo da PM cita 13 confrontos em áreas com UPP em 2011, contra 1.555 em 2016.

Nesse vácuo, o número de confrontos entre grupos criminosos aumentou, o que, por sua vez, atrai a polícia e gera mais embates com traficante­s mais bem armados.

Segundo o coronel Ibis, as mortes de PMs decorrem também da forma como a política de segurança é concebida.

As ações, diz, não estão voltadas às grandes apreensões de drogas, mas para o varejo, dentro das favelas, onde o tráfico tem grande poder de fogo. “Também há aqueles que atuam no crime, e morrem em decorrênci­a de conflitos”, diz o coronel.

Segundo o coronel Fabio Cajueiro, que coordenou uma análise de vitimizaçã­o policial, há cerca de um ano a PM incluiu em seu treinament­o um curso que dá instruções sobre como agir em folga.

O secretário de Segurança, Roberto Sá, disse, no enterro de um policial civil neste fim de semana, que acha que é preciso fazer mudanças na legislação para torná-la mais rígida, principalm­ente contra quem porta fuzis.

O Disque-Denúncia, ONG que dá apoio às políticas de segurança pública, faz neste ano campanha que oferece R$ 5.000 por informaçõe­s que levem à prisão de pessoas que mataram policiais.

 ?? Ricardo Borges/Folhapress ?? Claudia Nascimento, 45, em frente a painel de campanha contra violência; o marido dela, policial militar do Rio, morreu ao tentar impedir um assalto
Ricardo Borges/Folhapress Claudia Nascimento, 45, em frente a painel de campanha contra violência; o marido dela, policial militar do Rio, morreu ao tentar impedir um assalto

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