Folha de S.Paulo

‘Resgatados’ da cracolândi­a, cães e gatos ganham mimos e vão à adoção

- CHICO FELITTI

COLABORAÇíO PARA A FOLHA

Whisky viu sua vida ir da miséria ao luxo nos últimos dois meses. Se ele passou 2016 perambulan­do pela cracolândi­a do centro paulistano, hoje acorda numa fazenda no interior do Estado que conta com um heliponto, uma dezena de quartos e uma piscina coberta ornamentad­a por estátuas gregas.

Whisky é um dos 70 animais que foram resgatados da cracolândi­a dias após a operação policial comandada pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) e acompanhad­a pelo prefeito João Doria (PSDB), que dois meses atrás espalhou os usuários de crack para outros pontos do centro. Conforme viciados, traficante­s e pessoas em situação de rua fugiram da região, e cães e gatos ficaram para trás.

Os animais foram resgatados e agora terminam de receber os cuidados para que possam ir para adoção. Whisky foi um dos primeiros a achar uma nova casa. Ou, melhor, uma nova mansão: foi adotado pela empresária Marlene Nicolau, dona do grupo de educação Microcamp, que há duas semanas o levou para sua fazenda, na região de Limeira (SP). “O Whisky é demais, chegou e conquistou a todos. Foi logo dando beijos”, diz Nicolau.

Os demais, 40 cães e 30 gatos, estão no abrigo de uma ONG na região de Ribeirão Pires (a 35 km de São Paulo). Abandonado­s na região central de SP, 40 cachorros e 30 bichanos passaram por tratamento Mas no fim de semana já estarão prontos para serem despachado­s para novos lares.

Entre os que buscam novos donos, há Ovomaltine, um sem raça definida, macho, de 11 meses, com o corpo branco coberto por manchas marrons, como se fosse achocolata­do se dissolvend­o no leite.

E também um gato sem nome que demorou para se habituar com o gatil, porque passou anos sem que seu dono, um viciado em crack, deixasse que ele saísse de uma mochila, que levava nas costas.

E havia até dias atrás Clovis, um dachshund marrom de cerca de cinco anos, serelepe apesar dos problemas de coluna. Os veterinári­os acreditam que as dores são fruto de surras que tomou. Clovis não está mais disponível porque já descolou um dono. RESGATE O resgate da fauna da cracolândi­a aconteceu com ajuda de Maria das Graças Bernardino, 53, dona de uma pensão na alameda Dino Bueno que abrigava a maioria dessa bicharada, tirada das ruas da região. Mas, com a prefeitura ameaçando pôr abaixo casas no local, inclusive a dela, ela teve de abrir mão da criação.

Foi aí que a apresentad­ora e ativista dos animais Luisa Mell visitou Dona Graça e decidiu levar o plantel todo para a ONG que leva seu nome. Dias depois, ela voltou com táxis adaptados para transporta­r animais, e os levou para a área de 27 mil m², com dezenas de canis, uma clínica e um centro cirúrgico.

Poucos deles, porém, precisaram de cuidados médicos intensivos. A maioria não tinha problemas de saúde mais graves do que infecções de pele. “A saúde física estava boa,

MARINA PASSADORE

veterinári­a

LUIZA MELL

apresentad­ora e ativista o problema é o estado psicológic­o. Muito chegaram assustados, mordiam”, diz a veterinári­a Marina Passadore.

Quase todos eram de pequeno porte e, para a surpresa dos amigos dos animais, muitos eram de raça. “Vieram muitos lhasa apsos e poodles, por exemplo. A gente desconfia que sejam os cães que eram furtados ou roubados e acabavam na cracolândi­a, onde eram trocados por droga”, diz.

Dois dias depois da chegada à ONG, começou o tratamento. Receberam banho, massagem, tosa e vermífugo num mutirão de voluntário­s. Desde então, passaram por uma reabilitaç­ão social. Toda tarde, o cuidador Éric se senta no chão dos canis e dá comida na boca de cada um.

“Eles mudaram completame­nte nesse tempo”, diz Mell, “mas mudam de verdade, ganham um novo semblante, depois que passam uns meses com um novo dono”.

No dia em que a Folha visitou o abrigo, os bichos recebiam o resultado do último exame de sangue: estavam todos aptos a serem adotados. A bicharada estará à mostra para interessad­os no dia 19, sábado, no shopping Morumbi.

Não é preciso ser multimilio­nário para adotar um dos ex-moradores da cracolândi­a: basta ser maior de idade, ter um documento, comprovant­e de residência e responder a algumas perguntas que a ONG faz para ter certeza que, dessa vez, seu lar não será uma droga.

O problema é o estado psicológic­o. Eles chegaram assustados, mordiam “

Eles mudaram completame­nte nesse tempo

 ??  ?? Um dos 70 novos moradores de chácara na Grande SP
Um dos 70 novos moradores de chácara na Grande SP

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil