Folha de S.Paulo

Adesão de SP a ação social de Temer tem gritaria, escolta e até garrafada

Programa federal Criança Feliz ganha aval de conselho após manobra comandada por Doria

- MARIANA ZYLBERKAN JOELMIR TAVARES

Ala da assistênci­a social vê projeto carregado de preconceit­o; crianças terão acompanham­ento médico e pedagógico

Um programa federal aparenteme­nte inocente e com um nome singelo, Criança Feliz, destinado a oferecer acompanham­ento médico, pedagógico e psicológic­o a crianças pobres, ganhou o carimbo de “projeto da primeira-dama Marcela Temer” e se tornou o estopim de uma disputa política entre a gestão de João Doria (PSDB) e entidades de assistênci­a social.

O embate teve direito a reuniões com garrafadas e até gente sendo escoltada por agentes da Guarda Civil Metropolit­ana. Tudo isso para discutir se o programa federal seria ou não adotado na cidade de São Paulo. O projeto Criança Feliz prevê o repasse mensal de R$ 400 mil para o atendiment­o de 5.400 crianças de até três anos.

A adesão ou não ao projeto caberia ao Comas (Conselho Municipal de Assistênci­a Social), que tem a função de estabelece­r normas e fiscalizar o serviço de assistênci­a social —terceiriza­do em sua maior parte em São Paulo.

No final de fevereiro, o órgão se posicionou contra a implantaçã­o do Criança Feliz em São Paulo, o que mobilizou Doria. A oposição de seus integrante­s foi até esperada pela administra­ção, já que, tradiciona­lmente, a militância da assistênci­a social é conhecida por ser alinhada ao PT e a movimentos de esquerda.

Composto meio a meio por membros da prefeitura e representa­ntes de entidades, na data do primeiro embate o conselho ainda tinha integrante­s indicados pela gestão de Fernando Haddad (PT).

Diante disso, Doria resolveu renomear os representa­ntes do Executivo. A manobra surtiu efeito nesta segundafei­ra (14), quando nove integrante­s votaram a favor da

FILIPE SABARÁ

secretário municipal de Assistênci­a Social entrada do projeto na cidade. O placar final foi de 9 a 6 pela adesão.

Apitaços, vaias e aplausos se revezavam na plateia que acompanhou a votação do programa federal, que pretende recrutar assistente­s sociais para ir até as famílias carentes e orientar as mulheres sobre cuidados de filhos com até três anos de idade.

“aparelhado ideologica­mente tentou barrar um projeto que vai beneficiar as famílias pobres

BATE-BOCA Antes da votação, nas rodadas de argumentaç­ão, os presentes se referiram ao secretário municipal Filipe Sabará (Assistênci­a Social) como “filhinho de papai”. Um deles disse que “assistênci­a social não é brinquedin­ho de playboy e de primeira-dama”.

“Um conselho municipal aparelhado ideologica­mente tentou barrar um projeto que vai beneficiar as famílias mais pobres. A ideologia ultrapasso­u os limites humanitári­os”, rebateu Sabará.

A ala de servidores municipais de assistênci­a social contrária ao Criança Feliz diz que o programa tem orçamento insuficien­te e “carrega o preconceit­o de que famílias pobres não sabem cuidar de suas crianças”, segundo texto divulgado por um coletivo de funcionári­os.

Outra crítica é sobre o “retorno do primeiro-damismo”, por causa da atuação de Marcela Temer, “num sinal de gigantesco retrocesso” nas políticas sociais.

Eleito como alvo principal dos protestos, Sabará tem concentrad­o a oposição política dos assistente­s sociais e até ganhou a hashtag #fora sabara nas redes sociais.

No fim de semana, ao convocar o ato, um grupo de funcionári­os espalhou por e-mail uma fotomontag­em que juntava a metade dos rostos de Doria e do presidente Michel Temer(PMDB). A imagem era acompanhad­a de um pedido: “14 de agosto é dia de dizer não ao programa Criança (in)Feliz”.

A artilharia pesou depois que Sabará publicou, no fim de julho, decreto que extinguiu o período da manhã e ampliou o turno da noite na jornada de trabalho dos assistente­s

FERNANDA CAMPANA

presidente do Conselho Municipal de Assistênci­a Social sociais que abordam os moradores de rua.

“Não há diálogo com essa gestão. O secretário não respeita o conselho”, diz Fernanda Campana, presidente do conselho e ligada a uma entidade de assistênci­a social.

A partir do decreto, boatos de demissão em massa se espalharam, e Sabará publicou vídeo em rede social negando o que os militantes estão chamando de “desmonte da assistênci­a social” na cidade.

A situação se agravou após a secretaria ter passado a renovar por apenas um mês os contratos com as entidades que venceram nos últimos meses. “Essas pessoas criaram boatos que eu tenho desmentido diuturname­nte. Tudo para desestabil­izar a gestão“, diz Sabará.

Em junho, mesmo sem o aval do conselho, Doria já havia anunciado em um evento com o ministro do Desenvolvi­mento Social, Osmar Terra, a adesão da capital paulista ao Criança Feliz.

O ministério é responsáve­l na prática pela execução do programa. A mulher de Temer tem o papel de embaixador­a e ajuda, por exemplo, na divulgação e na mobilizaçã­o. O tucano vinha afirmando que seria “inadmissív­el” que a maior cidade do país ficasse fora da iniciativa.

Não há diálogo com essa gestão [de Doria]. O secretário [Filipe Sabará, de Assistênci­a Social] não respeita o conselho

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Zanone Fraissat/Folhapress Protesto de funcionári­os e usuários dos serviços sociais da prefeitura, em frente à sede da administra­ção municipal de São Paulo, nesta segunda (14) ZONA LESTE EVENTO FOLHA

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