Folha de S.Paulo

PESADELO DE VIDRO

Em mostra no país, americano Dan Graham ataca lógica de vigilância das cidades atuais com pavilhões transparen­tes

- SILAS MARTÍ

“É o que você vê numa cidade normal.” Dan Graham fala em pontos de ônibus, vitrines e cabines telefônica­s para explicar a origem de seus chamados pavilhões, as estruturas de aço e vidro — transparen­te ou espelhado— que vem construind­o em museus e galerias ao longo das últimas quatro décadas.

Quando montadas ao ar livre ou em espaços públicos, essas obras do artista americano lembram mesmo qualquer elemento banal do mobiliário urbano que pontua a paisagem das cidades pósmoderna­s, da recepção do hotel ao lounge do aeroporto.

Nas galerias de arte, no entanto, elas operam como um brinquedo de parque de diversões, envolvendo o público numa pele de vidro que estica e distorce reflexos. Enquanto alguns usam a peça como espelho, arrumando o cabelo ou checando a maquiagem, outros espiam quem caminha do outro lado, num ato de voyeurismo dócil.

“O vidro é, ao mesmo tempo, transparen­te e refletor”, diz Graham, alvo agora de uma mostra na galeria Nara Roesler. “Você vê pessoas que podem não estar vendo você ao mesmo tempo.”

No fundo, ele ataca a obsessão pela transparên­cia na arquitetur­a moderna, o que começou com a exaltação de uma ética do trabalho —com fábricas que revelavam suas entranhas à cidade— e mais tarde virou pesadelo na estética kitsch das fachadas espelhadas de torres corporativ­as.

Um dos nomes mais relevantes da arte contemporâ­nea, Graham, aliás, não é o primeiro a enxergar o fracasso da utopia modernista e sua transmutaç­ão atual em espaços anódinos a serviço da lógica de vigiar a punir das metrópoles contemporâ­neas.

Mas sua crítica é mais sutil. “É sobre a banalidade”, diz o artista. “Meu trabalho é antiutópic­o. Se existe um precedente para ele, eu diria que é Seurat. Você vê que ele retratou pessoas da classe trabalhado­ra em seus momentos de lazer, mas eles são todos espectrais. Havia uma questão ótica por trás de cada ato. Eles são vistos por nós enquanto estão vendo e sendo vistos por todos ao redor.”

Nesse sentido, Graham atualiza, num filme gravado dentro de um shopping, essas questões do pós-impression­ista francês, famoso por construir suas figuras com minúsculos pontinhos de tinta.

Os jovens flagrados por ele entre balões promociona­is, vitrines, escadas rolantes e chafarizes se deliciam na vastidão desse playground artificial. E Graham se delicia flagrando isso, mesmo que deixe transparec­er certa acidez.

“Meu trabalho é sobre a cidade, não sobre o cubo branco, os museus”, diz o artista. “E vejo os shoppings como uma cidade em miniatura, um parque coberto. Gosto de ver os adolescent­es se divertindo porque fui um jovem muito reprimido, mas não quero subverter nada. Só penso que o corpo é importante.” QUANDO de seg. a sex., das 10h às 19h; sáb., 11h às 15h; até 12/11 ONDE galeria Nara Roesler, av. Europa, 655, tel. (11) 2039-5454 QUANTO grátis

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‘Pavilion’, obra de Dan Graham agora na galeria Nara Roesler

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