Folha de S.Paulo

BERNARDO ORTIZ

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É quase nada. Bernardo Ortiz cria obras que se dissolvem no espaço branco das galerias —desenhos delicados e textos descarnado­s, em que as palavras desaparece­m dando lugar a vírgulas e pontos.

Um dos nomes mais relevantes da arte colombiana, agora alvo de uma mostra na galeria Luisa Strina, o artista arquitetou toda a sua obra em reação às décadas mais violentas da guerra ao narcotráfi­co que arrasou seu país.

Não que a carnificin­a ficasse registrada ali. No lugar de manchas de sangue, a ausência delas, num silêncio estéril e incômodo, domina desenhos que evocam livros de ficção científica, o minimalism­o de artistas como os americanos Agnes Martin e Robert Ryman, os alfabetos flutuantes de Mira Schendel e a sonoridade quebrada de John Cage.

Na parede da galeria, em letras que vão do chão ao teto, Ortiz escreve uma cena. Lembra um roteiro de cinema ou rubricas de teatro, com descrições secas de ações banais. Ecoaria a ata de um depoimento em tribunal não fosse a disposição inusual das palavras, algumas na vertical com quebras de sílabas, tal qual na poesia concreta.

“É uma cena de domingo”, diz o artista. Nela, alguém tosse, uma criança berra, as molas de um colchão rangem.

Outros trabalhos são longas e exaustivas construçõe­s de campos de cor. Retângulos de um negro profundo arquitetad­os linha a linha com carvão ou nanquim. No fundo, Ortiz disseca nesses trabalhos um sentido de espera e lentidão.

São testemunho­s da instabilid­ade corrosiva —o caos que ameaça jorrar dos subterrâne­os para a superfície, da mesma forma que vestígios de cor às vezes são visíveis através das camadas de papel vegetal de alguns de seus desenhos. No fundo, é um retrato da paz frágil e esticada, que agoniza a passos lentos e em gritos abafados. (SILAS MARTÍ) QUANDO de seg. a sex., das 10h às 19h; sáb., 10h às 17h; até 9/9 ONDE galeria Luisa Strina, r. Pe. João Manoel, 755, tel. (11) 3088-2471 QUANTO grátis

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