Folha de S.Paulo

Escândalo

-

Poucos observador­es do teatro brasileiro recusariam a hipótese de que somos controlado­s por uma “casta” de burocratas não eleitos sobre a qual, praticamen­te, não existe controle social.

Organizada em fortíssimo sindicato, criou, para blindarse, uma cena na qual a simples discussão de seu papel é tachada de “combate sub-reptício à Operação Lava Jato”, hoje, talvez, o único consenso da nossa sociedade.

É preciso afirmar com convicção que o argumento é falso. É mera estratégia defensiva, que, inclusive, tem dificultad­o as “reformas” de que tanto o país precisa.

A chamada Operação Lava Jato é um ponto de inflexão na história do Brasil. Depois dela, ele nunca mais será o mesmo.

A exposição das vísceras do conúbio criminoso entre o setor privado e o Estado revigorará as nossas instituiçõ­es. Expor à sociedade eventuais abusos de poder da “casta” privilegia­da (que pretende manterse acima da lei) é, ao contrário, apoiar a Lava Jato.

Não há exemplo melhor para provar a validade desse fato que o seguinte. O artigo mais claro e cuidadoso da Constituiç­ão de 1988 é o que fixa os limites da remuneraçã­o de todos os servidores públicos. Pois bem. Ele foi transforma­do em letra morta pela astuta exegese “criativa” dos tribunais superiores!

Em dezembro de 2016, o Senado Federal aprovou um projeto de lei que apenas confirmava o que diz a Constituiç­ão sobre salários do serviço público. Logo a “casta” se movimentou e organizou sua defesa, afirmando que o projeto não passava de uma “vingança” contra a Lava Jato.

Na Câmara dos Deputados, seus membros acovardado­s pelas eventuais consequênc­ias da operação não querem ouvir falar do assunto, com receio da “vingança” da “casta”. Basta lembrar que, só agora, em meados de agosto, foi criada a comissão especial para analisar a proposta do Senado Federal...

Nesse meio tempo, o assunto virou um escândalo nacional, com a divulgação na imprensa (graças à liberdade de informação) do desrespeit­o ao teto constituci­onal generaliza­do nos Poderes Legislativ­o e Judiciário e no Ministério Público, graças à “largueza interpreta­tiva” dos tribunais superiores.

Com um caso espantoso ocorrido em Mato Grosso, a ilustre ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, viu-se na obrigação de tomar a iniciativa e ordenou a todo o Judiciário que publique a remuneraçã­o integral dos seus membros e passe a cumprir o teto.

Trata-se de mais um exemplo em que a covardia do Legislativ­o exigiu a intervençã­o saneadora do Judiciário. E depois queixam-se do excesso de judicializ­ação da política!

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil