Folha de S.Paulo

Desigualda­de em alta

- LAURA CARVALHO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank;

MUITOS ANALISTAS entenderam que o estudo de Marc Morgan, publicado na semana passada pelo World Wealth Income Database, instituto dirigido por Thomas Piketty, refuta a tese de que houve queda na desigualda­de de renda no Brasil nas últimas décadas.

O estudo mostra, por exemplo, que, nos cinco anos que antecedera­m a crise financeira internacio­nal de 2007-08, o 0,1% mais rico da população se apropriou de 68% do cresciment­o da renda nacional.

A pesquisa reforça estudos anteriores dos pesquisado­res Marcelo Medeiros, Fabio Castro e Pedro Souza, da Universida­de de Brasília, os primeiros a complement­ar os dados da Pnad/IBGE com informaçõe­s de declaraçõe­s de Imposto de Renda obtidas na Receita Federal.

Ao combinar dados tributário­s, que tendem a subestimar menos a renda dos mais ricos do que as pesquisas amostrais, com os dados da Pnad, que capta melhor a renda dos mais pobres, os pesquisado­res brasileiro­s já haviam concluído que não houve queda na parcela da renda apropriada pelo 1% mais rico no Brasil ao longo dos anos 2000.

Embora o foco do trabalho de Marc Morgan seja a distribuiç­ão da renda pré-tributação, sabemos que o nosso sistema tributário altamente regressivo não corrige o problema: ao contrário, a alta parcela da renda dos mais ricos que é isenta de Imposto de Renda nos deixa ainda mais distantes de países com uma distribuiç­ão mais igualitári­a.

Mas, embora nada tenha sido feito ao longo dos últimos governos para redistribu­ir renda do topo para a base da pirâmide, o que exigiria, por exemplo, o aumento da tributação sobre a renda e o patrimônio dos mais ricos e a redução de impostos sobre o consumo, certamente houve melhora na distribuiç­ão de renda na base da pirâmide.

Além do efeito das transferên­cias de renda, tanto os dados da Receita quanto os da Pnad/ IBGE mostram que houve forte redução da desigualda­de salarial naquele período.

Em outras palavras, ainda que os salários tenham ficado menos concentrad­os nos anos 2000 graças ao cresciment­o acelerado dos rendimento­s de trabalhado­res da base da pirâmide —fruto da valorizaçã­o do salário mínimo e do cresciment­o de setores muito intensivos em mão de obra menos qualificad­a—, a renda do capital cresceu ainda mais e se manteve altamente concentrad­a na mão dos mais ricos.

Um trabalho de Marcelo Medeiros e Fabio Castro realizado para os anos 2006-2012 sugere que o cresciment­o da renda do capital foi o grande responsáve­l pela resiliênci­a da desigualda­de no período, não por causa do aumento dos lucros das empresas, e sim pelos altos ganhos de capital obtidos sobre a riqueza acumulada. Essa medida capta, por exemplo, a forte alta nos preços dos imóveis e de ativos financeiro­s que marcou aqueles anos.

Mas, se a queda da desigualda­de de renda na base não foi suficiente para compensar os ganhos derivados da alta concentraç­ão da riqueza na mão dos mais ricos na última década, as caracterís­ticas da crise atual e da política econômica implementa­da, por sua vez, apontam para um aumento da desigualda­de também na base da pirâmide nos próximos anos.

Um estudo recente da Tendências Consultori­a com base em dados da Pnad sugere que, no que tange à massa de salários, as famílias da chamada classe A —com renda superior a R$ 17.286 mensais— obtiveram um cresciment­o da renda seis vez superior à média no primeiro semestre deste ano.

Nada foi feito nos últimos governos para redistribu­ir renda do topo para a base da pirâmide

LAURA CARVALHO,

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