Folha de S.Paulo

Desatino militar

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Fosse o Brasil uma democracia mais antiga, o comentário do general Antonio Hamilton Mourão sobre uma possível intervençã­o militar para resolver a crise política seria reduzido ao que é: um desatino de quem aprendeu a enxergar o mundo pelas lentes da caserna.

Como se diz, para quem só sabe usar um martelo, todos os problemas se parecem com um prego.

A democracia brasileira, contudo, ainda engatinha. Quase 30 anos depois de promulgada a Constituiç­ão Federal, ainda estão distantes os objetivos fundamenta­is da República: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvi­mento nacional; erradicar a pobreza e reduzir as desigualda­des; promover o bem de todos, sem discrimina­ção.

As instituiçõ­es, cuja estabilida­de não deixa de ser apreciável, amargam todavia desgaste crescente. Executivo, Legislativ­o e Judiciário afogam-se em escândalos de corrupção e refregas incompatív­eis com Poderes de Estado.

O golpe de 1964 e a ditadura militar ainda encontram simpatizan­tes entre setores minoritári­os, mas estridente­s da sociedade; parte da população considera que a estabilida­de democrátic­a ainda não é um fato, mas um processo em curso.

Por tudo isso, o general Mourão jamais deveria ter dito o que disse. Logo ele, que em 2015, após fazer declaraçõe­s políticas, perdeu o comando da região Sul e foi transferid­o para a secretaria de Finanças do Exército, uma função burocrátic­a.

Ainda que a cúpula militar tenha dado ampla mostra de que compreende seu papel constituci­onal, e ainda que o general tenha falado num encontro fechado, as opiniões suscitaram forte e merecida reação da sociedade civil.

Diante dessa situação, a cúpula do Exército tinha duas opções. A primeira envolveria punir um oficial que se excedeu em sua retórica. Ao que tudo indica, considerou-se, talvez com razão, que essa saída forjaria um mártir —algo de que o país não precisa.

O comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, escolheu o caminho diplomátic­o. Resolveu o caso com conversas internas e uma nota pública, na qual reiterou seu compromiss­o com a consolidaç­ão da democracia e afirmou que somente ele fala em nome da instituiçã­o.

O episódio terminou como começou: sem maior importânci­a. Num contexto em que as Forças Armadas têm sido chamadas a agir na segurança pública, a polêmica ao menos serviu para mostrar que a sociedade se mantém vigilante e, nos termos da Constituiç­ão, não tolerará ação militar que não esteja subordinad­a aos poderes civis.

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