O Rio enfrenta uma grave
ENVIADA ESPECIAL AO RIO
Para a produtora Georgina, 37, se trancar em casa e ver a escola da filha fechada por causa de tiroteio já faz parte de sua rotina. O médico Eduardo, 37, agora só caminha em grupo e em locais movimentados. Já a engenheira Carolina, 31, antes de sair de casa, sempre verifica se há conflitos no trajeto para o trabalho.
Georgina, Eduardo e Carolina são moradores do Rio e refletem a sensação de medo e as mudanças de comportamento por causa da atual onda de violência na cidade.
Todo esse cenário aparece em pesquisa Datafolha feita nesta semana. Se pudessem, 72% dos moradores dizem que iriam embora do Rio por causa da violência. O desejo de deixar a cidade é majoritária em todas as regiões e faixas socioeconômicas —foram ouvidas 812 pessoas, e a margem de erro do levantamento é de quatro pontos percentuais, para mais ou para menos.
O levantamento, nesta terça (3) e quarta (4), foi realizado dez dias após um intenso conflito de facções na favela da Rocinha, que fechou vias, levou pânico a moradores da cidade e provocou um cerco das Forças Armadas por uma semana à comunidade.
O drama daquele dia é um exemplo de como a população local está contaminada diante da violência. Nas últimas semanas, segundo o Datafolha, um terço dos moradores mudou sua rotina e presenciou algum disparo de arma de fogo. O levantamento revela que 67% das pessoas ouviram algum tiro recentemente.
Eduardo Santos, 37, é médico de família e trabalha em uma clínica pública na Rocinha. Ele diz que diariamente recebe de manhã, por celular, um código (vermelho, amarelo ou verde), que indica a situação de segurança na favela e como será o seu trabalho.
Caso seja vermelho, significa que a clínica está fecha- Muito seguro Em seu bairro de dia Na cidade de dia Em seu bairro de noite Na cidade de noite Não saiu de casa Ouviu algum disparo? Viu algum disparo? Um pouco seguro Teve amigo ou parente que foi vítima? Foi vítima de arma de fogo? da e ele não deve ir. Se for amarelo, a clínica está aberta, mas os médicos não podem subir o morro. Já o sinal verde significa que o trabalho pode ocorrer normalmente.
Segundo ele, o código está amarelo ou vermelho há mais de um mês. “Prejudica muito o trabalho, porque, no amarelo, a gente não faz as visitas domiciliares, e elas são muito importantes.”
Nesta sexta (6), na Rocinha, uma adolescente de 16 anos foi atingida por uma bala perdida. Ele estava dentro de casa —o estado de saúde dela é estável. No mesmo tiroteio, dois homens morreram em confronto com a polícia. CRISE FINANCEIRA crise financeira, com cortes de serviços e atrasos de salários de servidores, e está perto de um colapso na segurança pública. Para 74% dos entrevistados, o desempenho do governo Luiz Fernando Pezão (PMDB) na área de segurança tem sido ruim ou péssimo —21% o consideram regular e 5%, ótimo ou bom.
Essa sensação está nas ru- as: 90% se dizem inseguros ao caminhar à noite pela cidade.
A engenheira Carolina Rodriguez, 31, antes de sair de casa, verifica em aplicativos se há registro de confronto no caminho do trabalho. Em muitos casos, muda a rota para evitar a autoestrada que passa pela Rocinha. “É impossível se sentir segura com tantos relatos de assalto.”
Outro braço dessa crise é a morte de policiais. Só neste ano já foram mais de cem PMs assassinados no Estado. A situação de insegurança também levou o presidente Michel Temer (PMDB) autorizar o uso das Forças Armadas para fazer a segurança pública do Rio até o final do ano que vem.
Segundo o Datafolha, 83% dos moradores do Rio são favoráveis à atuação dos militares no combate à violência local, e 15% são contrários. Sobre a eficácia, 52% dizem que a presença do Exército não mudou em nada a realidade local —44% afirmam que melhorou, e 2%, que piorou.
A sensação de desconfiança também pesa contra os policiais militares. O morador tem mais medo (67%) do que confia (31%) neles. No entanto, sobre a Polícia Civil e o Bope, braço da PM que inspirou o filme Tropa de Elite, a tendência se inverte e a confiança se torna maior que o medo.