‘Não gostamos de estrangeiros’, diz editora
Representantes de extremos opostos são colocadas lado a lado na feira de Frankfurt
“Nós não gostamos de estrangeiros. Como você”, diz Petrus Lahm, no estande da editora Leopold Stocker, na Feira do Livro de Frankfurt, em entrevista à Folha. “Você é muçulmano?”
Após a tensão, o representante da editora fica mais afável e oferece uma aguardente.
A cena se desenrola no corredor G, no primeiro andar, pavilhão 3, na feira. Nesse espaço, ficam as editoras de extrema direita alemãs, que já deram dor de cabeça ao maior evento literário do mundo —era correto aceitá-las?
A feira deu seu recado criando um ambiente esquisito. No mesmo lugar onde estão a Leopold Stocker e a Antaios Verlag, outra casa de mesmo perfil, espalham-se editoras no lado oposto do espectro político —em vez de proibir os extremistas, a feira quis deixá-los próximos.
Em frente à Antaios, está a Fundação Amadeu-Antonio, fundação que publica livros sobre direitos humanos e contra o racismo. Ao lado da Leopold Stocker, fica a Casa de Educação Política… Anne Frank —instituição que combate a discriminação e orienta vítimas de racismo.
Mais um passo e chega-se ao estande da Fundação Rosa Luxemburgo, filósofa marxista morta por milícias de direita na Alemanha. Lá, vendem-se livros dela e exemplares em capa dura de “O Capital”, de Karl Marx.
“Sempre que aparece alguém querendo defender o seu povo, dizem que é de extrema direita. Não somos nazistas, somos tradicionalistas. Publicamos livros de autores que não teriam espaço em outras casas e é preciso trazer o debate para a sociedade”, diz Lahm, da Leopold Stocker.
No centro do pensamento de Lahm, não está a “raça pura”, como nos anos 1930 —ela fala em defesa da “cultura alemã”. No país, ultranacionalistas têm defendido o chamado “pluralismo racial”: outras raças não devem ser exterminadas, mas cada um deve ficar no seu quadrado.
“Não queremos que ela desapareça. Tem muitos muçulmanos [na Alemanha]. Querem construir mesquitas em cada cidade. Mas aqui não é o Cairo”, diz ele, acrescentando ter “muitos amigos” árabes, porque viveu em Tel Aviv.
A Alemanha vive uma ascensão inédita da extrema direita. O partido de direita ultranacionalista Alternativa para a Alemanha conquistou, na última eleição, mais de 90 cadeiras no parlamento.
“Tivemos longas discussões nas últimas semanas, porque nos pediram para proibi-los de estar na feira. Conversamos, mas não vamos fazê-lo, porque Frankfurt é uma feira sobre a liberdade de expressão. Mesmo que eu não goste do que eles dizem, tenho que permitir”, diz o alemão Juergen Boos, presidente do evento.
“Eles não falam mais em raça, e sim em cultura alemã. Mas é um ideal nazista mesmo assim”, diz Martin Beck, da Fundação Rosa Luxemburgo.
Na quinta (12), alguns funcionários da Antaios foram provocar os da Casa de Educação Política Anne Frank — que distribui panfletos em uma campanha contra eles.
“Somos pela liberdade de expressão, não queremos que eles sejam expulsos [da feira], mas não vamos ficar calados”, afirma Anna Bechttoff, da Casa Anne Frank.