Folha de S.Paulo

Da circunstân­cia de ser corno

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RIO DE JANEIRO - O corno é, antes de tudo, filho de corno e amigo de outro. Onde a primeira consubstan­cial verdade: ser corno é hereditári­o e contagiant­e.

Que vem a ser homem adequado? A mulher é bonita, moça, rica, filhos sadios que ganham medalhas em exposições de puericultu­ra, como os touros recebem faixas nas de pecuária. Tem amantes à vontade —é o próprio marido que lhe reconhece a capacidade— e eis a questão: o que será um homem adequado a semelhante mulher? O marido não fora adequado apesar do muito que se amaram, das oportunida­des, das viagens ao redor do mundo. O que a mulher procurava e exigia era um homem adequado.

Homem adequado deve ser isso: um vice-marido. Um homem que aceite ser concubino de determinad­a mulher, se submeta à hierarquia humildemen­te, sabendo que ocupa na vida da mulher um lugar mais burocrátic­o que romântico.

As causas mais comuns à briga entre dois amantes estão aí: o homem entra com sua fúria inicial, quer a mulher todos os dias, a todas as horas. A mulher não quer perder nem o amante nem o marido, encontra dificuldad­e em colocar o amante no ritmo a que se impôs, dentro de sua adequação, isso se não cansar antes. O homem, se cansar, vai procurar outra, e a mulher sabe disso.

Surge então a necessidad­e do vicemarido. E ao dizer vice-marido entenda-se tudo o que deve ser um marido pela metade, inclusive no sadio tédio que deve inspirar a uma mulher honesta. Bem, a mulher desonesta ou será imbecil e nunca terá amante, ou será esperta demais e quererá ter todos.

Sobra esta pouca verdade: a mulher inspira bons poemas e péssimas filosofias —basta atentar a isso de homem adequado. E, encontrado tal espécime, não desejará outra coisa se não ter paz de espírito e de carne para, à noite, botar a cabeça no travesseir­o e dormir sossegada. MARCOS LISBOA

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