Folha de S.Paulo

Palpite autoritári­o

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A legislação pode ter impactos mais sutis do que sugere a intuição. Regras que pretendem proteger o trabalhado­r, por exemplo, podem ter efeito inverso ao pretendido, como maior desemprego ou prejuízo para as minorias, como revela a pesquisa acadêmica embasada pela análise cuidadosa dos dados comparando diversos países. Os artigos de Lawrence Kahn são um bom ponto de partida.

No caso do Brasil, estudos apontam que a legislação trabalhist­a estimula comportame­ntos oportunist­as que resultam em baixos salários, alta informalid­ade e menor produtivid­ade.

A distorção por aqui é tão grande que o gasto com seguro-desemprego aumenta quando a economia está crescendo e há poucos desemprega­dos. Não deveria surpreende­r. Quando o mercado está aquecido, muitos preferem ser demitidos, pois vão receber o FGTS e a multa de 40%, além do seguro-desemprego durante o pouco tempo necessário para conseguir trabalho.

O resultado é a alta rotativida­de da mão de obra, o menor desenvolvi­mento de habilidade­s específica­s pelas trocas frequentes de emprego e a baixa produtivid­ade que prejudica tanto as empresas quanto os trabalhado­res. Pena que a reforma trabalhist­a aprovada pelo Congresso, que promove diversos avanços, não tenha corrigido essa distorção decorrente de regras mal desenhadas.

Nossa legislação é bastante diferente da observada nos países desenvolvi­dos e mesmo em vizinhos, como Colômbia, Chile e Peru. Aliás, a maioria nem mesmo possui justiça do trabalho.

As mais de 3 milhões de novas ações trabalhist­as, apenas em 2016, destoam e muito do observado no resto do mundo. São demasiados os sinais de que estamos fazendo algo muito errado.

Alguns discordam da reforma, optando por muita opinião e discurso de autoridade. Seria bom que deixassem de lado as palavras de ordem e passassem a debater com base na evidência, como se espera de servidores responsáve­is.

A terceiriza­ção resulta em piores condições de trabalho? Existem evidências de que trabalhado­res que negociam com mais liberdade o contrato de trabalho têm piores condições de vida? Ou as críticas decorrem apenas de um palpite?

Um velho estatístic­o dizia: “Em Deus nós confiamos. Todos os demais tragam dados”.

Representa­ntes da Justiça do Trabalho afirmaram que não irão cumprir a legislação aprovada pelo Congresso eleito pela maioria. “As regras trabalhist­as foram criadas para impor...limites...à exploração do trabalho pelo capital”. A reforma, porém, promove “proteção ao tomador de trabalho”. “Logo, suas regras não são trabalhist­as” e, por isso, dizem, negam a Constituiç­ão.

Tempos de manifestaç­ões tão superficia­is quanto autoritári­as.

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