Folha de S.Paulo

Relato de um erro de avaliação

Participar do projeto de remediação da J&F facilitou percepções equivocada­s, hipóteses precipitad­as e teses cerebrinas. Peço desculpas

- MARCELLO MILLER (Brasília, DF)

Em 2003, deixei a carreira diplomátic­a para me juntar ao Ministério Público e ser parte de seu impulso transforma­dor.

No MPF, tive a honra de integrar, de fevereiro de 2015 a julho de 2016, o grupo de trabalho que auxiliava o procurador-geral da República na Operação Lava Jato.

Depois da Lava Jato, que auxiliei pela última vez em outubro de 2016, o mesmo gosto pelo desafio que me levou para o MPF me fez pensar em novos ares. Não fui para a iniciativa privada para ficar rico —e não fiquei. Havia, sim, boa perspectiv­a financeira. Mas havia, além disso, a oportunida­de ímpar de participar de grandes projetos de compliance (conformida­de com boas práticas) em escala mundial.

A propósito de carta do senhor presidente da República aos senhores deputados e senadores com referência a meu nome, esclareço os seguintes pontos:

A J&F precisava de remediação urgente, e minha saída do MPF atraiu sua atenção. Mas não deixei o MPF para atendê-la, ou teria aceitado a proposta para ser seu diretor global de compliance. Nem a orientei a contratar tal ou qual escritório: o trabalho era complexo, especializ­ado e envolvia mais que negociar acordos com autoridade­s, exigindo investigaç­ão interna e revisão geral do programa de compliance. A escolha ia bem além de mim.

Depois de pedir exoneração do MPF, mas antes de seus efeitos, estive múltiplas vezes com executivos da J&F. Essencialm­ente, recebi informaçõe­s sobre o grupo. O convite para que me integrasse a ele também foi pauta constante.

Além disso, discutimos o projeto de remediação da J&F. Respondi a perguntas sobre estimativa­s de prazo, sobrevida empresaria­l, confiabili­dade das instituiçõ­es e harmonizaç­ão de tratativas entre jurisdiçõe­s. Perguntas gerais e respostas abertas, porque era um processo de construção de confiança.

Pelo caráter episódico, preparatór­io e não remunerado dessa interação, tenho convicção de que não incorri em irregulari­dade. Consultori­a jurídica é atividade profission­al remunerada e de escopo definido, com respostas precisas para questões específica­s, ou não passaria de um conjunto de palpites.

Minha atuação seria voltada para as pessoas jurídicas, e a face negocial desse trabalho seria o acordo de leniência. Para assessorar seus executivos em colaboraçã­o premiada, a J&F contava com criminalis­tas. Alguma pergunta que me tenha sido feita sobre o assunto não invalida o que precede.

Nunca orientei ninguém, em minha vida profission­al, a gravar conversas. O que sempre disse é que relatos de colaborado­res devem ser baseados em provas. Participei de tratativas de colaboraçã­o premiada, inclusive na Operação Lava Jato, em que colaborado­res, sem apresentar gravações, provaram seus relatos por outros meios. E não participei de acordos em que colaborado­res se valeram de gravações, como os de Durval Barbosa, César Romero e Silval Barbosa.

A J&F nunca me ofereceu nem me pagou um centavo. Ofereceu-me um emprego, que não aceitei. Não fui remunerado pelo tempo que passei com seus executivos antes de minha exoneração. Não poderia nem aceitaria ser. Nunca transmiti informação sigilosa para a J&F nem exerci, no MPF, nenhuma atribuição relativa a ela. Estava com exoneração pedida e divulgada durante os contatos com seus executivos, em férias na maior parte do período e espontanea­mente fora de grupos de trocas de mensagens entre procurador­es. Corruptos fazem o contrário: procuram inserção e informação, para terem o que vender.

Fala-se, a meu respeito, em “jogo duplo”. Mas isso só ocorreria se eu tivesse atuado em duas pontas antagônica­s. Não era o caso: nunca atuei na J&F pelo MPF; o que estava fazendo com a empresa era incentivá-la a ficar limpa. Isso é intrinseca­mente moral e convergent­e com qualquer leitura do interesse público. É leviana a hipótese de que eu estivesse atuando pelo MPF ao interagir com a J&F. Não faria sentido que, já com a exoneração pedida, eu aceitasse desempenha­r função para a PGR fora de minhas atribuiçõe­s ordinárias, como um “agente secreto”. Esses contatos tiveram caráter privado, em preparação de atividade que eu viria a desempenha­r em favor da empresa.

Quanto às questões que afligem o senhor presidente da República, nunca fui “braço direito” de Rodrigo Janot, muito menos seu auxiliar mais próximo. O Grupo de Trabalho da Lava Jato tinha coordenado­res, função que nunca desempenhe­i; nenhum de seus integrante­s podia atuar sozinho; e meu relacionam­ento com Janot era funcional, com muito pouco convívio social.

A quarentena proíbe ex-membro do MP de advogar perante o juízo do qual se afastou por exoneração. Quando deixei o MPF, tinha lotação e exercício na Procurador­ia da República no Rio de Janeiro, com atribuição para quatro Varas Federais Criminais. Não foi nesse âmbito que se negociaram os acordos da J&F.

Percebo, em retrospect­o, que foi um grave erro de avaliação participar do projeto de remediação da J&F e, mais ainda, me antecipar, ainda que emcaráterp­reparatóri­o,aosefeitos­da exoneração. Isso facilitou percepções equivocada­s, hipóteses precipitad­as e teses cerebrinas. Peço desculpas.

Mas reafirmo: não delinqui; não fui ímprobo; não traí a instituiçã­o a que tanto dei de mim. Por todo o tempo em que dialoguei com a J&F, tive presentes as regras que sempre regeram minha atuação e minha vida. Estou seguro de que as preservei. MARCELLO MILLER

Ao julgar como deve ser o rito e o procedimen­to da aplicação de medidas cautelares aos parlamenta­res do Congresso Nacional, o STF acabou criando a quarta instância decisória. A Justiça no Brasil agora tem duas vertentes: uma para os pobres mortais e outra para políticos corruptos no exercício de seus mandatos. Tudo em nome da harmonia entre os Poderes. Conclusão: incentivo à impunidade, mau exemplo e desestímul­o às pessoas de bem.

JAYME DE ALMEIDA ROCHA NETTO

Corrupção Ainda que se discorde da entrevista de Claudio Lembo, símbolo da ética na política, ela representa uma grande contribuiç­ão para o diagnóstic­o das nossas instituiçõ­es republican­as. O desconheci­mento do “Brasil profundo” citado por ele é uma das causas de nossas dificuldad­es econômicas e sociais. Enquanto Brasília só pensa em impostos, dirigismo estatal, o “Brasil profundo” trabalha e produz (“Praça dos Três Poderes virou a ágora da promiscuid­ade”, “Poder”, 20/10).

PAES LANDIM,

Geddel denunciado A procurador­a-geral da República, Raquel Dodge, a qual muito admiro, qualificou Geddel Vieira Lima como chefe de uma organizaçã­o criminosa. Isso o impede de fazer delação premiada contra qualquer cidadão, inclusive o presidente Temer, acusado pelo ex-procurador-geral por crimes de corrupção. O que mais se esperava era tal delação.

EBER SOARES DE SOUZA,

Lula e Palocci

O colunista Hélio Schwartsma­n ia bem em seu raciocínio até esbarrar no preconceit­o no último parágrafo. Rotula como “de esquerda” os que discordam dele e de “progressis­tas”, no mesmo embalo irônico, os defensores da redução de danos. Importante frisar que a política de redução de danos para usuários de drogas é questão de saúde pública séria, necessária e recomendad­a pelos “progressis­tas” do mundo inteiro, em especial os da OMS. Não deve ser tratada com o tom empregado pelo autor (“A farinha do prefeito”, “Opinião”, 17/10).

EVALDO STANISLAU AFFONSO DE ARAÚJO,

Só há difamação em “O sujeito oculto no caso Geddel” (“Opinião”, 20/10), de Bernardo Mello Franco. Nunca houve conexão de Michel Temer com o dinheiro da Bahia. Se tivesse feito uma apuração que fosse, Mello Franco saberia que até Lúcio Funaro negou essa hipótese: “não posso afirmar em momento nenhum que, do dinheiro eu repassei a ele (Geddel), ele deu parte para o Temer; não tenho essa informação”. Mas, ao estilo de Rodrigo Janot, o articulist­a é adepto de acusações sem provas, ilações e julgamento­s sumários quando se trata do presidente Temer.

MÁRCIO DE FREITAS, RESPOSTA DO DO COLUNISTA BERNARDO MELLO

Afobado para mostrar serviço, FRANCO - o assessor defende o chefe até do que ele não foi acusado. Escrevi que o presidente é beneficiár­io de um parecer da Procurador­ia, e não do dinheiro do seu amigo presidiári­o.

Desmatamen­to

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