Folha de S.Paulo

Insatisfaç­ão leva Maia a esticar corda com Temer

Deputado tenta se posicionar como condutor das reformas no Legislativ­o

- MARINA DIAS

Sentindo-se preterido de negociaçõe­s do governo e de olho em 2018, Maia tornou-se aliado indócil de Temer

“Sou vaidoso como qualquer um. Adoro ser elogiado, mas sei do meu tamanho.” Na noite de terça-feira (17), de seu gabinete na presidênci­a da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) explicava a aliados a razão de não se considerar um problema para o Palácio do Planalto.

Ao dar pequenos socos sobre a mesa, como para pontuar cada movimento que fez nas últimas semanas, mostrava que, ao esticar a corda com o governo Michel Temer, tenta reformular o discurso e testar seu protagonis­mo à frente da agenda de recuperaçã­o econômica do país.

Pessoas próximas sustentam em três pilares o prognóstic­o da oscilação no comportame­nto de Maia desde o dia 2 de agosto, quando Temer conseguiu se livrar da primeira denúncia contra ele no plenário da Câmara.

O deputado julga-se credor do governo pelo resultado, não se sentiu recompensa­do pelo Planalto —ao contrário— e viu frustradas suas previsões de que o presidente teria mais dificuldad­e para barrar a segunda acusação contra ele, por obstrução da Justiça e organizaçã­o criminosa.

Sentindo-se preterido da mesa de negociação dos caciques do governo e com necessidad­e de se reposicion­ar no cenário em que Temer salva seu mandato, Maia começou a agir com indisposiç­ão em relação ao presidente.

A mudança de tom, porém, despertou ainda mais desconfian­ça no Planalto — que o trata como um político imaturo— e dúvidas entre integrante­s do mercado financeiro, nicho em que Maia circulava com facilidade.

Em viagem a Miranda (MS) neste sábado (21), Temer tentou minimizar o desconfort­o. Disse que mantém com o deputado uma relação de “muito respeito institucio­nal” e que Maia tem sido um “colaborado­r extraordin­ário” nas questões “que dizem respeito aos interesses do país”. HORIZONTE Dirigentes do DEM e parte do séquito do presidente da Câmara garantem que ele não criará um cenário catastrófi­co, de obstrução à agenda proposta por Temer.

Usará, porém, de um argumento numérico para se colocar como o condutor dessas medidas no lugar do presidente: o governo terá apoio para barrar a segunda denúncia com cerca de 30 votos a menos do que os 263 que conseguiu da primeira vez, mas não poderá mais contar com uma base aliada robusta para comandar o Legislativ­o.

Deputados reclamam de promessas não cumpridas do Planalto na liberação de cargos e emendas parlamenta­res e prometem retaliação.

Maia aproveita as insatisfaç­ões para mirar dois projetos políticos —o seu e o de seu partido— que esbarram necessaria­mente nos planos de Temer e do PMDB.

Além de trabalhar para se reeleger deputado federal e presidente da Câmara, o democrata quer fortalecer o DEM com a migração de integrante­s do PSB e de outros partidos. Pelas suas contas, a legenda precisa eleger de 40 a 50 deputados federais em 2018 para servir de “aeroporto” para uma possível candidatur­a presidenci­al.

Por enquanto, garante, o avião não será ele mesmo: “Se tivesse votos para ser candidato a presidente da República, eu seria, mas não tenho”, é o que tem dito.

Os movimentos para que o DEM ganhe musculatur­a e conquiste o eleitorado de centro-direita incomodara­m Temer —que tem os mesmos projetos para o PMDB. O presidente agiu de pronto, cortejou quadros do PSB que negociavam com os democratas e filiou ao PMDB o senador Fernando Bezerra (PE).

Maia se enervou e as disputas entre ele e o Planalto ganharam novos contornos. QUEDAS DE BRAÇO Aliados de ambos os lados dizem que as crises são apenas “artificiai­s”. Entre o desconfort­o e o boicote, há um abismo. Desconfort­o este que culminou em três episódios em apenas dez dias.

O primeiro, na semana passada, quando Maia protestou contra a decisão do governo de obstruir a sessão e impedir a votação da MP da leniência dos bancos. Colocou na conta de Temer o naufrágio da proposta em plenário.

O bombeiro da vez foi o ministro Antonio Imbassahy (Secretaria de Governo), que acordou com Maia que a Câmara poderia articular um projeto de lei sobre o tema.

Cinco dias depois, bateu boca pela imprensa com o advogado de Temer, Eduardo Carnelós, chamando-o de “incompeten­te” após suas críticas à divulgação dos vídeos da delação do operador Lúcio Funaro, que implicam diretament­e o presidente, no site oficial da Câmara.

Novamente Imbassahy serviu de para-raios. O ministro recebeu telefonema de Maia, que queria um pedido público de desculpas de Carnelós, o que não aconteceu.

Por fim, setores do governo insatisfei­tos com Paulo Rabello de Castro, que hoje comanda o BNDES, começaram a aventar a possibilid­ade de demissão do executivo como um aceno a Maia.

Após barrar a primeira denúncia, Temer ofereceu o cargo para o presidente da Câmara nomear seu favorito, Marcos Falcão, ex-executivo do Icatu, ao posto. Mas a promessa não foi cumprida.

Para a reedição da disputa pelo BNDES, o bombeiro foi o próprio presidente. Em reunião com Maia na quarta-feira (18), no Planalto, Temer disse que faria pronunciam­ento à nação. O deputado retrucou que não era suficiente. Para ele, é mostrar ao país por que foi melhor manter Temer no cargo.

Caso falhe no desafio, o presidente alargará a avenida para o protagonis­mo de Maia e pode se tornar refém de uma Câmara controlada por um aliado indócil.

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