Folha de S.Paulo

Jornalista­s lidam com apagão informativ­o em congresso

- RAUL JUSTE LORES

Os exemplares da revista britânica “The Economist”, à venda em poucos locais de Pequim, aparecem mutilados: faltam as páginas com reportagen­s sobre a China, cuidadosam­ente arrancadas.

A rede de TV CNN sai constantem­ente do ar. Vários sites, do “New York Times” à BBC, são bloqueados com frequência. Até o sinal de wi-fi em hotéis internacio­nais misteriosa­mente desaparece­m.

Ser correspond­ente em Pequim durante datas sensíveis ao Partido Comunista da China têm um efeito dramático no jornalismo: quanto mais próximo do local do evento, mais desinforma­do você fica.

Ainda assim, no escuro informativ­o, visitar o cenário do congresso comunista, o Grande Salão do Povo, causa estupefaçã­o. Os chineses sabem fazer isso com estrangeir­os há muitos séculos (da Olimpíada à Cidade Proibida, há uma especializ­ação na cenografia do império).

A coreografi­a também é ensaiada: 10 mil pessoas lotam todos os lugares do auditório principal, aquele sob uma enorme estrela vermelha no teto, e aplaudem de forma bem ensaiada. Até os 2.300 delegados viram páginas da programaçã­o em uníssono.

Sede do congresso nacional, em estilo sinossovié­tico, o Grande Salão foi construído em dez meses, por milhares de trabalhado­res, e inaugurado em 1959, no aniversári­o de dez anos da chegada de Mao Tsé-tung ao poder. Há 29 salões intermináv­eis, com murais hiperbólic­os, em homenagem a cada província, território e cidade autônoma do país, além de Taiwan.

Como boa ditadura, nem a mídia local, nem os chamados representa­ntes do povo, têm a menor política de dar entrevista­s espontânea­s ou explicar o que acontece nos bastidores. O índex da imprensa chinesa, que normalment­e já trabalha com listas de palavras ou temas que são proibidos ou monitorado­s cotidianam­ente, torna-se ainda mais longo e controlado.

Representa­ntes de minorias étnicas e de regiões separatist­as do país aparecem com indumentár­ia típica e são os mais requisitad­os pela imprensa chinesa para expressar a unidade nacional.

Quando cobri as comemoraçõ­es dos 60 anos da Revolução Comunista, em 2009, me impression­ava com as ordens dadas pelo governo. Os moradores da avenida Jianguomen eram alertados a fechar as janelas e não assistir aos ensaios da parada militar. A ordem era acatada.

O Congresso termina nesta terça-feira (24), quando devem ser anunciados os novos membros do Politburo, com 25 integrante­s, e, possivelme­nte, quem serão os sete integrante­s do Comitê Permanente do Politburo, que, na prática, governam a China.

Em um país sem partido de oposição, a disputa entre as facções internas é forte. Elas variam de grupos regionais a ideológico­s, em laços de parentesco e gerações.

Dada a obscuridad­e do debate, serão necessário­s alguns meses para se saber se Xi conseguiu por mais aliados na estrutura de poder.

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