Folha de S.Paulo

Sob Rex Tillerson, Departamen­to de Estado perde peso

Perfil centraliza­dor de secretário e desavenças com presidente dos EUA deterioram situação da pasta

- ISABEL FLECK

Só 2 dos 9 postos mais altos na chancelari­a estão ocupados hoje; governo prevê corte de recursos e funcionári­os

A sugestão feita publicamen­te pelo presidente Donald Trump de que ele e o secretário de Estado, Rex Tillerson, fizessem testes de Q.I. e comparasse­m seus resultados é o mais recente e emblemátic­o capítulo na degradação da relação entre os dois, que contribui para ameaçar ainda mais um já combalido Departamen­to de Estado.

“Posso dizer a vocês quem venceria”, completou Trump, numa declaração à “Forbes” que depois a Casa Branca chamou de piada. A alfinetada, porém, era uma resposta à declaração nunca desmentida por Tillerson de que o presidente seria “um idiota”.

Gente de dentro do departamen­to e quem acompanha a política externa americana além dos corredores da sede em Washington concordam que a dúvida hoje é quando Tillerson deixará o cargo, e não mais se isso vai ocorrer.

A mesma reportagem da NBC News que revelou no começo do mês a declaração do secretário também afirmou que o vice-presidente, Mike Pence, teve de intervir, em julho, para que Tillerson não apresentas­se sua renúncia.

Após rara convocação de jornalista­s, o secretário negou que tivesse considerad­o deixar o posto.

“É bem difícil imaginar que Tillerson permaneça no governo Trump depois de 2017. Acho inevitável que ele renuncie”, aposta Stewart Patrick, diretor do Programa de Governança Global do Council on Foreign Relations, que prestou assessoria ao Departamen­to de Estado por três anos durante o governo de George W. Bush.

Tillerson, que chegou ao cargo com as credenciai­s de presidente-executivo de uma gigante petroleira, parece nunca ter se ajustado ao posto. Em parte porque Trump não facilita seu trabalho com provocaçõe­s e declaraçõe­s.

Em entrevista ao “New York Times”, Tillerson reconheceu que as estratégia­s da política externa americana hoje têm de ser “suficiente­mente resiliente­s” para acomodar as novidades disparadas on-line por Trump.

“Quando acordo, há um tuíte do presidente. Então penso: ‘OK, essa é uma nova condição’. Como usá-la?”, disse. “Acontece, algumas vezes, de eu não estar esperando.” MICROGEREN­CIAMENTO O próprio desempenho de Tillerson, contudo, também tem gerado descontent­amento dentro e fora do departamen­to. Para especialis­tas, sua atuação no cenário internacio­nal é invisível diante do fenômeno Trump.

Internamen­te, nove meses depois do início do governo, apenas 2 dos 9 mais altos postos do departamen­to —de vice-secretário­s e subsecretá­rios— foram ocupados.

No escalão imediatame­nte abaixo, dois terços (70 dos 105) dos postos de secretário­s-assistente­s, representa­ntes e enviados especiais ainda estão vagos ou ocupados por interinos. É esse o caso do posto de secretário assistente para o Hemisfério Ocidental, que responde pela América Latina.

“O resultado disso é uma submissão da liderança diplomátic­a americana e um vácuo que contribui para a crescente incerteza sobre as intenções e os compromiss­os dos EUA em um momento de grande turbulênci­a global”, afirma Patrick.

Em seu gabinete, Tillerson centralizo­u até mesmo as decisões mais triviais e exigiu que tudo passasse pelos assessores que trouxe com ele, os advogados Margaret Peterlin e Brian Hook.

Uma pesquisa encomendad­a a uma consultori­a pelo próprio departamen­to em julho mostrou que milhares de funcionári­os se dizem preocupado­s com o futuro da diplomacia americana e reclamam da falta de apoio do governo e de Tillerson, revelou o “Wall Street Journal”.

Diplomatas consultado­s pela reportagem confirmam o clima de desânimo e incerteza, reforçado pelos planos pouco claros do secretário para uma restrutura­ção do Departamen­to de Estado.

O moral dos funcionári­os já estava baixo desde que Trump previu, em fevereiro, uma redução de 31% no orçamento da pasta. Tillerson, segundo o “New York Times”, quer reduzir 8% do quadro, cerca de 2.000 funcionári­os.

Para Patrick, ir à sede do departamen­to hoje é “como entrar num navio naufragand­o, cuja tripulação não sabe se alguém virá em socorro”.

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Alex Wong-13.out.17/Getty Images/AFP O secretário de Estado dos EUA, Rex Tillerson, em Washington; atrito com Trump cresce

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