Folha de S.Paulo

Madri decide destituir governo catalão

Premiê espanhol envia ao Senado, onde tem apoio da maioria, medidas para limitar a autonomia da Catalunha

- DIOGO BERCITO Protesto contra ameaça de prisão de Puigdemont, premiê da região separatist­a, atrai dezenas de milhares Barcelona

Catalães protestam em Barcelona, e líder ameaçado de prisão acusa Rajoy de tentar anular decisão popular

O governo da Espanha decidiu neste sábado (21) destituir o governo regional da Catalunha, removendo o presidente Carles Puigdemont e o restante de sua administra­ção. A medida inédita deve ser votada nos próximos dias pelo Senado, no qual o governo tem apoio suficiente para aprová-la, em resposta ao desafio separatist­a catalão.

O premiê conservado­r, Mariano Rajoy, detalhou neste sábado as demais medidas de seu governo para os catalães. As ações integram o Artigo 155 da Constituiç­ão, dispositiv­o de uso inédito por Madri para garantir a obediência dos governos regionais.

A autonomia catalã não foi suspensa, mas Madri nomeará representa­ntes para coordenar a administra­ção regional, que passa a ser feita por diversos ministério­s nacionais. O premiê tomou para si a prerrogati­va de dissolver o Parlamento e antecipar as eleições na Catalunha.

O pleito, previsto para o fim de 2019, pode agora ocorrer nos próximos seis meses.

O Parlamento regional catalão não está dissolvido. A ação da Casa, contudo, será limitada. Não poderá nomear mais seu próprio presidente, por exemplo, nem aprovar leis que sejam contrárias à legislação espanhola. O Estado poderá vetar suas decisões.

“Aplicamos o Artigo 155 porque nenhum governo de nenhum país democrátic­o pode aceitar que a lei seja violada”, afirmou Rajoy.

Agravando a crise, o Ministério Público confirmou que estuda acusar Puigdemont pelo crime de rebelião, que pode levar a 30 anos de prisão, se insistir em formalizar a independên­cia catalã, como tem ameaçado fazer.

Ele pode evitar isso anteci- pando ele mesmo as eleições catalães, algo que por ora parece não cogitar.

O presidente catalão respondeu a Madri no fim do dia, após participar de um protesto anti-Madri que reuniu dezenas de milhares de pessoas nas ruas de Barcelona.

“O que os catalães decidiram nas urnas os espanhóis anulam nos escritório­s”, declarou. “Querem designar pessoas para dirigirem de Madri sua vida.” SENADO As medidas detalhadas por Rajoy precisam passar por algumas etapas nesta semana.

O Senado deve se reunir na terça (24) ou quarta-feira para debater o Artigo 155 e estabelece­r um prazo de resposta ao presidente Puigdemont.

MARIANO RAJOY

primeiro-ministro da Espanha

CARLES PUIGDEMONT

líder catalão

A votação dos senadores está prevista para sexta-feira, 27, aprovando as medidas definitiva­mente. Rajoy tem a maioria absoluta necessária.

O procedimen­to foi decidido em acordo entre o governo do Partido Popular e seu principal opositor, PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), com apoio do Cidadãos, de centro-direita.

A intervençã­o espanhola na administra­ção regional catalã inaugura um novo período de instabilid­ade no país, que já vive sua pior crise institucio­nal desde a redemocrat­ização a partir de 1975.

A presença do Estado central na Catalunha é bastante limitada, e tem sido gradualmen­te reduzida. Segundo o jornal espanhol “El País”, apenas 9% dos funcionári­os públicos catalães pertencem à administra­ção central, em comparação aos 16% registrado­s na vizinha Valência.

A Catalunha tem também sua própria polícia, os chamados Mossos d’Esquadra, ao contrário da maior parte das regiões espanholas.

São 17 mil policiais da força catalã atuando nessa região, contra os 5.968 representa­ntes policiais de Madri.

A região tem ainda um Parlamento próprio.

Mesmo assim, partidos separatist­as têm ganhado fôlego nos últimos anos.

Uma das justificat­ivas é econômica: a região é responsáve­l por 20% do PIB espanhol, de US$ 1,2 trilhão.

Desafiando Madri, que considera o separatism­o injustific­ado, o governo catalão realizou um plebiscito separatist­a em 1º de outubro. Só participar­am da consulta 43% do eleitorado, dos quais 90% apoiaram a separação.

O plebiscito foi decretado ilegal pelo Tribunal Constituci­onal. Apesar dos avisos, Puigdemont foi ao Parlamento regional em 10 de outubro e declarou a independên­cia. Em seguida, suspendeu os efeitos da proclamaçã­o, pedindo diálogo.

Madri exigiu que Puigdemont voltasse atrás até a quinta-feira (19), o que ele se recusou a fazer —esta foi a justificat­iva do governo para implementa­r o Artigo 155.

Aplicamos o Artigo 155 [mecanismo que garante que governos regionais obedeçam à lei] porque nenhum governo de nenhum país democrátic­o pode aceitar que a lei seja violada” O que os catalães decidiram nas urnas os espanhóis anulam nos escritório­s

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Emilio Morenatti/Associated Press

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