As urnas perdoam a corrupção?
CRISTINA FERNÁNDEZ de Kirchner, a ex-presidente da Argentina, está sendo investigada em oito casos diferentes de corrupção. Não obstante, é praticamente certo que será eleita neste domingo (22) senadora pela Província de Buenos Aires.
Lembra o Brasil, em que 54% dos eleitores consultados pelo Datafolha querem que Luiz Inácio Lula da Silva seja preso (ele já foi condenado em primeira instância e está sendo investigado em outros casos, da mesma forma que Cristina Kirchner). Contudo, lidera todas as pesquisas para a eleição presidencial de 2018, com cerca de 30% das intenções de voto.
A tentação inevitável ante ambas as situações é imaginar que o eleitorado perdoa a corrupção ou até a abençoa, o que é consistente com o fato de que um punhado de outros políticos, no Brasil e na Argentina, foram condenados ou investigados, mas ainda assim se elegeram.
Talvez seja verdade, mas é mais provável que dois outros fatores pesem bastante.
Primeiro, a descrença nas instituições, inclusive no sistema judicial. Na Argentina, aliás, o público desconfia mais do Poder Judiciário do que dos dois outros (Executivo e Legislativo): pesquisa recente da consultoria Management & Fit mostra que 75,6% da população têm pouca ou nenhuma confiança no sistema judicial.
Essa descrença facilita divulgar a tese de que Cristina está sendo vítima de uma “formidável Cristina Kirchner, investigada em oito casos, se elegerá senadora, em caso que tem parentesco com o de Lula manobra de perseguição política”, como ela repete sempre.
Seus seguidores, por sua vez, gritam: “Parem com o assédio a nossos líderes, respeitem a nossa democracia”, como relata no site da publicação “Americas Quarterly” a jornalista Lucia He, especializada no tema.
No Brasil, Lula e seus seguidores cantam a mesma canção. E a ela aderiram, mais recentemente, outros políticos igualmente investigados, como, por exemplo, Michel Temer e Aécio Neves.
Outra coincidência entre Brasil e Argentina: a demora em completar investigações sobre corrupção.
É fenômeno arqui-conhecido no Brasil, mas na Argentina é pior: Carlos Menem foi acusado de comércio ilegal de armas para Equador e Croácia durante sua presidência, em investigação iniciada em 1995.
Depois de 22 anos, Menem concorre neste domingo a seu terceiro mandato como senador pela Província de La Rioja.
Um segundo fator a pesar para que as suspeitas de corrupção não evitem vitórias como as de Menem, Lula ou Cristina é o fato de que há uma disseminada convicção de que todos os políticos são corruptos.
Essa percepção, injusta mas disseminada, leva o eleitor a votar em quem acredita ter feito um governo melhor do que os outros, supostamente tão corruptos como os seus preferidos.
A certeza de que Cristina será eleita decorre do sistema eleitoral argentino: cada Província elege três senadores, dois deles pela lista mais votada e, o terceiro, pela que ficar em segundo.
A ex-presidente, na pior das hipóteses, ficará em segundo lugar. Ganhará uma vaga (e seis anos de imunidade).
Mas, se ficar apenas no segundo lugar, será uma derrota política – e uma demonstração de que a suspeita de corrupção pesa, sim, no voto.