Folha de S.Paulo

A discussão foi intensa nas

- MARIANA ZYLBERKAN GIOVANI FERRAZ COSTA - gunda (23/10) às 17h, igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, r. Honório Líbero, 90, Jd. Paulistano. LUIZ FELIPE FIGUEIREDO - Nesta seg. (23/10) ao meio-dia, na Igreja

No domingo (8), o prefeito João Doria não descansou, mas recorreu a uma série de referência­s bíblicas para lançar a farinata, composto feito a partir de alimentos que estão próximos da data de vencimento, ao qual se referiu como um produto “abençoado”.

Antes de fazer uma corrente e dar as mãos à mulher, Bia Doria, e a secretário­s presentes, o prefeito distribuiu amostras do granulado em um pote com um adesivo da imagem de Nossa Senhora Aparecida, onde lia-se “Intercedei por nós”. “Parece biscoito de polvilho”, segundo palavras usadas pelo prefeito para divulgar o composto.

Apenas alguns dias depois, reações negativas ao produto fizeram Doria partir direto para o inferno da inquisição das redes sociais, sem nenhuma escala no purgatório.

Rapidament­e ele se deparou com a outra face da interação on-line ao ver a proliferaç­ão do termo “ração do Doria” numa referência ao composto. O secretário de Assistênci­a Social, Filipe Sabará, fez as vezes de Judas, embora involuntár­ia, ao fazer cara feia diante da câmera de uma emissora de TV ao comer um biscoito feito de farinata.

O barulho fez o prefeito se voltar para as câmeras novamente para “elucidar o que motivou tanta polêmica, aliás, desnecessa­riamente”. Em vez de Alimento para Todos, conforme havia batizado primeirame­nte o composto alimentar, Doria usou o termo Alimento Solidário, na introdução à explicação, e recorreu ao cardeal Dom Odilo Scherer. Em um ato simbólico, Doria convocou uma coletiva de imprensa onde protagoniz­ou mais uma referência cristã e dividiu com o cardeal um pedaço de pão feito com a farinha processada.

Ali, num supetão, anunciou a farinata na merenda escolar da cidade. A gestão inteira foi pega de surpresa, e Doria voltou atrás no dia seguinte —e ainda colocou em dúvida a distribuiç­ão para as famílias mais carentes. RESOLUÇÃO Nesta se- redes sociais, mas passou ao largo de um órgão municipal importante criado justamente para definir as prioridade­s em relação às medidas voltadas à segurança alimentar e nutriciona­l da população.

A gestão Doria está há dez meses sem organizar reuniões do órgão que tem a função de executar e coordenar ações ligadas à alimentaçã­o de qualidade, conforme previsto em decreto municipal de maio do ano passado.

A Caisan (Câmara Intersecre­tarial de Segurança Alimentar e Nutriciona­l) é formada por integrante­s de sete secretaria­s municipais e deveria se reunir todo mês, o que não acontece desde o ano passado, ainda na gestão de Fernando Haddad (PT).

Apesar de não ter caráter deliberati­vo, a Câmara foi criada para institucio­nalizar as políticas relativas à alimentaçã­o no município e deveria ter discutido a implantaçã­o da farinata, o que não ocorreu.

A atitude do prefeito foi considerad­a por entidades do setor como um retrocesso na forma como a nutrição deve ser encarada pela esfera pública. “As decisões relacionad­as à nutrição estão centraliza­das no gabinete do prefeito sem respeitar o decreto”, diz André Luzzi, conselheir­o da ONG Ação da Cidadania contra a Fome e a Miséria.

A entidade foi fundada em 1993 pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, e tem importante atuação no combate à desnutriçã­o.

Instalada em São Paulo em 2015, a Caisan é o mecanismo que integra o município ao Sisan (Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutriciona­l) e é responsáve­l por viabilizar ações previstas no Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutriciona­l.

Elaborado em 2016 e com validade de quatro anos, o primeiro plano elaborado para o município prevê medidas como distribuir 5.000 cestas básicas por mês a famílias em situação de vulnerabil­idade social e controlar o preço de cerca de 20 produtos nos mercados municipais para estimular o consumo de frutas, verduras e legumes.

Além disso, uma resolução de novembro de 2016 obriga essa câmara a monitorar a cada seis meses o andamento do plano, o que ainda não aconteceu na gestão Doria.

Outra lacuna no acompanham­ento nutriciona­l dos paulistano­s, essencial para a implantaçã­o de projeto como o proposto pelo prefeito, é a falta de informação sobre desnutriçã­o infantil.

A lei que torna compulsóri­a a notificaçã­o de crianças desnutrida­s ainda não foi regulament­ada, apesar de ter sido sancionada em 2013. “Sem esses dados é impossível priorizar quem deve ter acesso ao alimento com urgência”, afirma Luzzi.

Procurada, a Prefeitura de São Paulo disse apenas que a frequência das reuniões não é prevista em lei. A Secretaria Municipal de Trabalho e Empreended­orismo, responsáve­l por convocar as reuniões da Caisan, não respondeu aos questionam­entos, assim como a Secretaria de Saúde, que foi procurada para comentar a falta de dados sobre desnutriçã­o infantil.

 ?? Fábio Vieira - 8.out.2017/FotoRua/Folhapress ?? Prefeitura afirma que frequência de reuniões não é prevista em lei; não há dados sobre desnutriçã­o infantil Doria exibe granulado composto por farinata no lançamento do programa Alimento para Todos, no começo de outubro
Fábio Vieira - 8.out.2017/FotoRua/Folhapress Prefeitura afirma que frequência de reuniões não é prevista em lei; não há dados sobre desnutriçã­o infantil Doria exibe granulado composto por farinata no lançamento do programa Alimento para Todos, no começo de outubro
 ?? Marlene Bergamo - 19.out.2017/Folhapress ?? Pais e crianças protestam contra inclusão de farinata na merenda de escolas de São Paulo
Marlene Bergamo - 19.out.2017/Folhapress Pais e crianças protestam contra inclusão de farinata na merenda de escolas de São Paulo

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