Medo e depressão marcam pós-tragédia em Mariana
Ex-moradores de vilas destruídas em tragédia ambiental relatam hostilidade
Previstos para estarem prontos em março de 2019, novos povoados ainda não começaram a ser construídos
“Passarinho na gaiola” tem sido a expressão preferida dos moradores de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo para descrever sua nova vida em Mariana (a 122 km de Belo Horizonte) desde que esses vilarejos rurais foram destruídos pelo rompimento da barragem de Fundão, operada pela Samarco, em 5 de novembro de 2015.
Dois anos após a maior tragédia ambiental do país, a mudança dos atingidos para a zona urbana do município provocou casos de depressão e abuso de remédios, hostilidade por parte da população e incerteza sobre a possibili- dade de retorno ao antigo modo de vida em novas vilas previstas para serem erguidas.
A inauguração da nova Bento Rodrigues é aguardada para março de 2019, mas oterrenonemsequerfoiregularizado. Com 69 anos, Henrique Bretas só conseguiu realizar o sonho de voltar a Bento, que fica a 23 km da sede, quando morreu. Foi enterrado em setembro passado na igreja Nossa Senhora das Mercês, situada no alto da antiga vila rural, onde a lama da Samarco não chegou.
O restante tem que convi- ver com discriminação de moradores que os culpam pelo desemprego de 25% na cidade, que dependia economicamente da mineradora, cujas atividades estão suspensas e sem prazo de retomada.
“Tem dia que minha menina fala: ‘Pai, eu quero voltar para o Bento’. Eu falo que não tem Bento mais. Ela responde que quer ir para outro lugar, não quer ficar aqui. Isso dói na gente”, diz Expedito da Silva, 46.
“Você fica sofrendo por dentro em ver as pessoas sofrendo e não ter o que fazer”, completa. Ele, a mulher e quatro filhos vivem juntos em Mariana. Para manter a família, ele trabalha no transporte de carvão e na apicultura.
“Isso é que é a tristeza. Ser tão acolhido num momento e hoje se sentir prisioneiro por estar lutando por direitos.”
Atualmente, as famílias de Bento e Paracatu vivem espalhadas por Mariana em 303 imóveis alugados pela fundação Renova, entidade bancada pela Samarco e suas donas, Vale e BHP Billiton. Também foram inaugurados escola e posto de saúde que atendem somente a população dos povoados rurais.
A fundação tem direção independente, mas seus programas têm que ser aprovado por um conselho curador, formado por representantes das três mineradoras.
O processo de adaptação é gradual. Ainda se acostumando com o novo ambiente, diferentes atingidos tiveram que mudar de casa dentro da cidade. Terezinha Quintão Silva, 51, por exemplo, trocou três vezes.
“Os vizinhos eram muito barulhentos”, diz. Ela mora com a filha e trabalhava em Bento no bar de coxinhas da irmã, que foi destruído.
Ao longo dos 650 km onde passou, do interior de Minas ao litoral do Espírito Santo, a lama matou 19 pessoas, interrompeu o abastecimento de água, devastou as margens dos rios e arrasou vilas e fazendas. Segundo o Ibama, foi o maior vazamento de rejeitos minerais do mundo.
“O que eu mais sinto falta é das minhas galinhas e da minha lenha. Eu queria ter um fogão a lenha”, diz Maria do Carmo, 56, ex-moradora de Paracatu.
Reunida com outras senhoras atingidas, começam a especular sobre a reconstrução de suas casas: – Tem que ter fogão a lenha. – Comida de fogão de lenha é mais gostosa. Não esfria, fica quentinha. – Vera, nunca vai ser igual. – Ah, vai sim! Porque eu lutei e agora quero ela do mesmo jeito.
A prosa ocorre na Casa dos Saberes durante um lanche, logo após o grupo de senhoras visitar o Museu de Arte Sacra de Mariana —tudo organizado pela Renova.
A casa com diversos ambientes, cozinha ampla, quintal e fogão a lenha foi alugada pela fundação para ser um espaço de convivência e realização de atividades religiosas, como coroações e encontros de irmandades, já que a