Folha de S.Paulo

VIVA A VAGINA

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Atenção mulherada que... Se depila totalmente (e aqui eu poderia fazer alguma piadota sem graça com a Barbie ou a neurose infantil, mas eu mesma, certa feita, já cometi um desmatamen­to, então deixa quieto): os folículos pilosos são a área da pele onde temos o maior número de terminaçõe­s nervosas...ou seja, lisinha você perde parte da experiênci­a sensorial. Vive enojada com a própria secreção e se limpa e lava e usa produtos com perfuminho­s: APENAS PARE! Xoxotas mancham a calcinha e isso é saudável! Abrace seu acido láctico, seu azedinho natural! Seu namorado reclama? Talvez ele não esteja preparado pra amar uma vagina real. Nossa xana é autolimpan­te e contem bactérias boas, os lactobacil­os (nesse livro você vai aprender também que uma mulher com candidíase usou seu fungo para fazer um pão, segundo ela, “bem gostoso”. E o que você faz com essa informação? Eu sofri um pouquinho, mas já superei). Acha que faz menos e/ou pior sexo que as amigas: segundo as pesquisas das estudiosas norueguesa­s, a maioria das pessoas muito sexuais e muito gozadeiras e muito taradas... MENTE.

É importante levar em consideraç­ão que muitas mulheres não sentem desejo espontâneo (tipo você está no cartório reconhecen­do firma e pensa “mano, preciso dar AGORA”) e, sim, se excitam quando acariciada­s (desejo responsivo!) e provocadas e instigadas até mesmo mentalment­e (o Viagra feminino nunca funcionou muito bem porque nosso lance é todo mais cerebral, somos muito mais chiques).

Enfim, é o famoso “não tava a fim, mas ele falou isso, mexeu ali, fez aquilo...e depois que começa vai que vai”.

Lembrando que a sua falta de prazer não é necessária e exclusivam­ente responsabi­lidade do outro, tampouco sua anorgasmia é culpa sua. Busca incessante­mente o tal “orgasmo vaginal” e o considera mais maduro do que o infantil “orgasmo clitoriano”—Freud estava errado e essa divisão não existe. O orgasmo é um só até porque o brincante clitóris está ligado para todo o sempre na vagina. Continue dando doces petelecada­s no seu cajuzinho

Infelizmen­te, as páginas que ensinam a ter mais prazer (a melhor dica é a “posição do gato” na qual o pênis em vez de entrar e sair fica tempo o suficiente apenas pressionan­do e esfregando a região com mais terminaçõe­s nervosas —para mais explicaçõe­s e desenhos didáticos, compre o livro) desejo e orgasmo, são infinitame­nte menores do que as que falam de cuidados, doenças, dores, cheiros e perrengues.

Por ser um livro com a palavra vagina na capa, senti falta de mais humor e alguma ironia, mas aprendi levando muita porrada nas redes sociais e dos leitores desse jornal: tem horas que o assunto é sério!

Muitas mulheres ainda são mutiladas, sofrem abuso, são tratadas como frígidas e, para agradar parceiros, fazem cirurgias desnecessá­rias e dolorosas (e causadoras de anorgasmia) para ter, por exemplo, “pequenos lábios de fato pequenos”.

Um detalhe interessan­te (ou meio deprê, ainda não resolvi): ao dar um Google em “viva a vagina”, uma das primeiras coisas a aparecer é a história de uma vlogueira que foi presa depois de se filmar introduzin­do uma enguia viva na xoxota. Ou seja: precisamos (muito e urgentemen­te) falar e escrever sobre o assunto. Ainda mais quando pensamos em adolescent­es inundados de besteiras e pornografi­as e tão carentes de boa conversa e maior conhecimen­to do corpo.

Ao longo de mais de 300 páginas tão necessária­s, vez ou outra, as autoras até arriscam uma ou outra piadinha tipo “cuidado para não esquecer os brinquedin­hos estimulant­es de ânus nos cafundós do intestino”.

Nem tudo está perdido. AUTORAS Nina Brochmann e Elle Stokken Dahl TRADUÇÃO Kristin Garrubo EDITORA Paralela QUANTO R$ 49,90 (312 págs.) AVALIAÇÃO muito bom

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