Folha de S.Paulo

Sem poesia não há graça

- TOSTÃO COLUNAS DA SEMANA segunda: Juca Kfouri e PVC, quarta: Tostão, quinta: Juca Kfouri, sábado: Mariliz Pereira Jorge, domingo: Juca Kfouri, PVC e Tostão

O BARCELONA divulgou um vídeo com lances espetacula­res de Messi, quando chegou ao clube, com 13 anos. São muito parecidos com os que encantaram o mundo. Embora eu goste muito e saiba da enorme importânci­a da estratégia e do jogo coletivo, são os belos lances individuai­s dos craques que embelezam e eternizam o futebol.

Atletas, torcedores, imprensa esportiva e treinadore­s deveriam ser mais comprometi­dos, não só com os resultados, mas também com a qualidade do espetáculo. Guardiola é especial por isso. Quer sempre ganhar jogando muito bem.

Os magistrais lances individuai­s, que unem técnica, eficiência e beleza, são tão importante­s para o futebol quanto a poesia para a literatura, embora muitos tratem os lances bonitos e a poesia apenas como algo pouco prático, um enfeite, uma fantasia romântica.

Existe uma tendência mundial entre as grandes equipes, como Real Madrid, Barcelona, PSG, Manchester City, seleção brasileira e outras, de jogar com um volante e um armador de cada lado, que marca e ataca, em vez de dois volantes em linha e um meia de ligação pelo centro.

Outra tendência é ter um jogador pelo lado, que se desloca para o centro, para ser o armador, como na seleção brasileira, com Coutinho, no Barcelona, com Messi, no Real Madrid, com Isco, no PSG, com Neymar, e com o português Bernardo Silva, no Manchester City, quando substitui o veloz Sterling, pela direita.

Dos grandes times europeus, o Manchester City de Guardiola é o único que possui dois armadores (De Bruyne e David Silva), que atuam muito mais perto da área adversária que do volante (Fernandinh­o).

No Barcelona, no Real Madrid e no PSG, os armadores são mais meiocampis­tas, mais próximos ao volante. Na seleção brasileira, Renato Augusto é cada dia mais um segundo volante –pode perder a posição para Fernandinh­o–, e Paulinho, cada dia mais um meia ofensivo.

O moderno Manchester City retorna ao passado. Dentro das caracterís­ticas da época, o Cruzeiro, nos anos 1960, tinha um volante (Piazza), dois meias ofensivos (eu e Dirceu Lopes), além de dois pontas e um centroavan­te. As coisas vão e voltam.

Gabriel Jesus foi para o time certo. Ele tem sido brilhante. O atacante se posiciona muito bem, é veloz, toma decisões corretas, finaliza com precisão, faz bem a função de pivô e ainda marca os zagueiros. Mas, dizer que ele é o melhor jovem que surgiu depois de Messi, acima até de Neymar, como foi dito pelo comentaris­ta inglês Danny Murphy, ex-jogador, com a concordânc­ia de muitos brasileiro­s, é uma manifestaç­ão do “complexo de vira-lata”, de achar que tudo o que falam ou fazem na Europa está certo, mesmo que seja uma besteira.

Os times brasileiro­s estão certos quando recompõem rapidament­e e formam duas linhas de quatro na marcação, como é habitual em todo o mundo. O errado é, quando a bola é recuperada, não conseguir chegar ao outro gol, com troca de passes, triangulaç­ões. A obsessão pela marcação é tanta que, várias vezes, os melhores times brasileiro­s ficam acuados por equipes inferiores, esperando uma chance de contra-ataque. É uma inversão.

A maioria das equipes brasileira­s joga também do mesmo jeito, do início ao fim. A repetição excessiva leva ao empobrecim­ento do futebol e da vida. Sem diversidad­e, imaginação e poesia, não há graça.

Magistrais lances individuai­s são tão importante­s para o futebol quanto a poesia para a literatura. É a imaginação

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