Premiê do Japão tem fixação em defesa do país
Shinzo Abe quer alterar Constituição para permitir que arquipélago possua tropas capazes de atuar no exterior
FOLHA,
Aos 63 anos de idade, o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, provou ser um bom estrategista.
Numa jogada arriscada, dissolveu a Câmara Baixa, antecipou as eleições em um ano com a desculpa de que era preciso responder às ameaças crescentes da Coreia do Norte e conseguiu amealhar no domingo (22) para sua coligação 313 das 465 cadeiras da Casa.
Como esse score representa mais de 2/3 do total de postos em disputa, Abe poderá usar seus aliados para aprovar mudanças na Constituição japonesa —o que ele tenta fazer há alguns anos, notadamente no artigo que se refere à proibição de o país constituir Exército para além da função de autodefesa.
A vitória injetou ânimo no país, e a Bolsa de Tóquio fechou em alta na segunda (23).
Anunciada no fim de setembro, a cartada de Abe de adiantar o pleito visava surfar na popularidade de que ele gozava e no mau momento da oposição, às voltas com escândalos internos.
Não que o primeiro-ministro estivesse totalmente impermeável ao noticiário desfavorável: havia sido acusado pouco antes de favorecimentos indevidos, nepotismo e de fazer passar à força a lei anticonspiração, que garante amplo poder de vigilância à polícia, em detrimento dos direitos civis.
Foi em resposta a essa peça legislativa que os oposicionistas pediram esclarecimentos ao chefe de governo. A solicitação foi ignorada por três meses. Quando ele finalmente se manifestou, dissolveu a Câmara Baixa e convocou eleições antecipadas. INEXPERIÊNCIA Abe já havia entrado para a história da política japonesa como o mais jovem primeiro-ministro do país, quando assumiu o cargo pela primeira vez, em 2006, aos 52 anos. Agora, pode acumular outro recorde e se tornar o premiê que mais tempo ficou na função desde o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-45).
Da primeira vez que passou pelo posto, ele chegou a ser comparado com o antecessor Junichiro Koizumi: era carismático, franco e tinha apelo popular.
Mas, inexperiente, colecionou gafes e falhas que fizeram sua taxa de aprovação despencar. Menos de um ano depois da posse, renunciou, alegando problemas de saúde.
Em 2012, Abe voltou à cena. Desta vez, mais bem preparado e com um discurso envolvente, prometendo renovação e recuperação da economia. À época, o Japão estava enlutado pela tragédia de 11 de março de 2011, quando um terremoto seguido de tsunami devastara a região nordeste do país e causara o segundo pior acidente nuclear da história, na usina de Fukushima.
Desde então, o Partido Liberal Democrata (PLD) de Abe obteve vitória em todas as eleições, à exceção daque- la que definiu a mais recente renovação da Assembleia de Tóquio, quando a atual governadora da capital japonesa, Yuriko Koike, ganhou os holofotes. FUTURO Abe é conhecido por sua posição irredutível em relação à defesa do Japão. Em 2015, pressionou e conseguiu aprovar no Parlamento o projeto de mudança da Constituição, em especial o artigo 9, que trata das forças de autodefesa do país.
Abe quer ter tropas que possam agir no exterior e defender os aliados. Mas a medida é impopular e recebeu críticas pesadas também das vizinhas China e Coreia do Sul.
Com a vitória no pleito do último fim de semana, ele espera alterar a Constituição japonesa até 2020.
Se a situação na Península Coreana inspira preocupação, o grande desafio do premiê é mesmo interno: dar novo impulso ao crescimento econômico.
Os pacotes de medidas da chamada “Abenomics” ainda não surtiram o resultado esperado e a promessa de acabar com duas décadas de recessão apenas começa a ser cumprida —nesse sentido, salários em alta, desemprego em baixa e um crescimento lento, mas continuado parecem bons agouros.
A agenda interna para os próximos anos também inclui temas como educação, reforma da Previdência e reforma trabalhista.
Shinzo Abe vem de uma família de políticos importantes. O avô materno, Nobusuke Kishi, foi ministro durante a Segunda Guerra e, mais tarde, chegou ao cargo de primeiro-ministro.
Foi durante a administração do avô de Abe que o Japão firmou um tratado de segurança e cooperação com os Estados Unidos que se tornou a base da estreita aliança entre os dois países. CONSERVADORISMO Kishi foi acusado de ter cometido crimes de guerra. Chegou a ser preso, mas não foi julgado. No livro, “Para um lindo país” (em tradução livre), seu neto comenta o episódio. “Algumas pessoas costumavam apontar meu avô como um suspeito ‘classe A’ de crime de guerra, e eu sentia uma forte repulsão. Por causa dessa experiência, talvez eu tenha me tornado emocionalmente ligado ao ‘conservadorismo’”.
Já o avô paterno do premiê, Kan Abe, ocupou o cargo de senador na Câmara Alta entre 1937 e 1946. Seu pai, Shintaro Abe, também foi senador e serviu entre 1982 e 1986, além de ocupar o cargo de ministro das Relações Exteriores.
Formado em ciências políticas pela Universidade Seikei, o líder japonês estudou políticas públicas em uma universidade da Califórnia. Começou a carreira política como senador, em 1993.
Abe é casado com Akie Matsuzaki, filha do presidente da Morinaga, uma das maiores fábricas de chocolate do país.