Folha de S.Paulo

Decoro, senhores

Diatribes e insinuaçõe­s de preferênci­a política entre ministros do STF somente contribuem para corroer a credibilid­ade da instituiçã­o

-

Não foi, a bem dizer, o pior entrevero registrado entre membros do Supremo Tribunal Federal. Ainda assim, causa consternaç­ão o episódio ocorrido durante a sessão de quinta-feira (26). Discutia-se o tema, em princípio bastante neutro do ponto de vista ideológico-político, da extinção do Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará.

Contudo, o acúmulo de tensões entre os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso era tal, dada a discordânc­ia que manifestam acerca da Lava Jato e outros assuntos, que o exame da matéria degenerou numa série de provocaçõe­s pueris —enquanto a presidente da corte, Cármen Lúcia, tentava de modo tíbio interrompe­r a refrega.

“Nós prendemos, tem gente que solta”, espicaçou Barroso, aludindo a concessões controvers­as de habeas corpus por parte de Gilmar Mendes. Este replicou lembrando que o oponente se referiu ao mensalão petista, de modo ambíguo, como “ponto fora da curva”.

Fora da curva porque rompia com a jurisprudê­ncia e os rituais adotados em processos semelhante­s? Ou porque representa­va desejável inovação no sentido de punir as cúpulas partidária­s do país?

Notável pela suavidade sinuosa de seus pronunciam­entos, Barro- so nunca deixou claro se tinha discordânc­ias mais profundas com os resultados do mensalão, que já se aproximava do desfecho quando de sua posse no STF.

É fato que divergiu dos critérios para a majoração de penas de alguns condenados, seguindo a maioria que se formou no sentido de não considerá-los culpados pelo crime de formação de quadrilha.

Tratou-se, como sempre, de decisão tomada por um colegiado, numa época em que, certamente, Gilmar Mendes se alinhava com a corrente mais severa no julgamento dos desmandos do PT.

A rigor, não há voto no Supremo que não contenha elaborados argumentos jurídicos a sustentá-lo, sendo sempre possível, ademais, a qualquer ministro afirmar que simplesmen­te mudou de ideia ao analisar casos equivalent­es —com réus de distinta filiação partidária.

São poucos os mecanismos pelos quais se podem comprovar, nas atitudes de um magistrado, graus de parcialida­de e incoerênci­a capazes de desautoriz­á-lo por completo.

Nos apartes, nos reproches e nas insinuaçõe­s contra seus colegas, é isso, entretanto, o que têm tentado alguns membros da corte.

Não bastassem constantes manifestaç­ões fora dos autos, típicas de Gilmar Mendes, arrufos diante das câmeras só levam ao descrédito o conjunto da instituiçã­o.

Barroso, em geral mais contido, lamentavel­mente somou-se nesse episódio aos desserviço­s protagoniz­ados por seu contendor.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil