Folha de S.Paulo

A caminho do desastre

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Dia 6 de novembro inicia-se em Bonn, na Alemanha, a 23º COP (Conferênci­a de Mudanças Climáticas), e o Brasil tem “ótimas” notícias para levar. O Observatór­io do Clima divulgou que as emissões de gases de efeito estufa aumentaram 8,9% em 2016 em relação a 2015, alcançando 2,278 bilhões de toneladas de gás carbônico equivalent­e (CO₂e).

O incremento, o maior desde 2004, causa perplexida­de, pois ocorreu em um ano em que o PIB nacional recuou 3,6%. O país é a única grande economia do mundo que aumenta as emissões sem gerar riqueza. Uma proeza, pois, normalment­e, as emissões se relacionam com cresciment­o.

Com essa performanc­e, ocupamos o 7º lugar de maior poluidor do planeta, contribuin­do com 3,4% do total mundial de CO₂e. Uma porcentage­m superior ao peso da população e do PIB brasileiro­s no planeta (respectiva­mente, 2,7% e 2,5%), apesar de a base enérgica do país ser predominan­temente limpa, baseada em hidroelétr­icas.

O desafio do desenvolvi­mento sustentáve­l é combinar cresciment­o econômico com proteção ambiental e distribuiç­ão de riquezas. Mas o modelo econômico que está sendo implementa­do no país caminha exatamente no sentido oposto.

A agropecuár­ia, único setor que cresce no PIB de 2017, responde por 74% das emissões. Baseada em desmatamen­to ilegal, abertura de pastagens com pecuária extensiva e produção de grãos com uso intensivo de fertilizan­tes e agrotóxico­s, a agricultur­a está muito distante de ser de baixo carbono.

O agronegóci­o tem grande peso no Congresso e negocia o apoio ao governo em troca de flexibiliz­ação de restrições ambientais. Se a questão ambiental já não era priorizada com Dilma, no governo Temer a sensação é que “liberou geral”.

Na última semana, edifícios e equipament­os do Ibama e do Instituto Chico Mendes (ICMBio) em Humaitá (AM) foram destruídos por garimpeiro­s descontent­es com a ação fiscalizad­ora dos órgãos ambientais.

Incêndio destruiu 68 mil hectares do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (28% da cobertura vegetal); suspeita-se de uma ação criminosa de agricultor­es contrários à sua ampliação. A seca que afeta o Distrito Federal está relacionad­a com a expansão da monocultur­a no cerrado.

São fenômenos isolados, mas que, combinados com muitos outros, geram resultados globais desastroso­s.

Com enormes reservas de água, biodiversi­dade e florestas, o Brasil poderia ser uma potência ambiental. No futuro, a água será mais importante que o petróleo. Mas a visão econômica vigente desconside­ra o desenvolvi­mento sustentáve­l.

O descaso do governo, do Congresso e até mesmo da sociedade com o desastre ambiental é impression­ante. É uma conta que já estamos pagando e que ficará mais cara no futuro.

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