Folha de S.Paulo

Tempestade perfeita

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O desenrolar da aventura independen­tista da Catalunha cumpriu um roteiro que já se desenhava muito claro. Dadas as bases da empreitada, dificilmen­te poderia haver outro desfecho que não a decisão do premiê da Espanha, Mariano Rajoy, de dissolver o governo catalão e convocar novas eleições.

A querela pôs frente a frente duas figuras quase imiscíveis: Rajoy e Carles Puigdemont, então chefe da administra­ção local e artífice do plebiscito organizado à revelia da autoridade de Madri —que dispõe da prerrogati­va constituci­onal de autorizar ou não consultas dessa natureza por parte das comunidade­s autônomas espanholas.

Configurad­o o descumprim­ento legal, o líder catalão, que iniciou carreira política como deputado por um partido nacionalis­ta, viuse numa encruzilha­da. Se desistisse da ofensiva, correria o risco de ficar marcado entre seus simpatizan­tes como traidor. Optasse por seguir adiante, fecharia de vez as portas para uma negociação.

Errático, ele chegou a declarar a independên­cia para, ato contínuo, suspender seus efeitos e pedir diálogo. O aparente recuo provou-se inútil, pois na prática Puigdemont não desistiu de seu projeto como exigia Rajoy —este, notório pelo pouco tato para lidar com o separatism­o desde quando era apenas líder oposicioni­sta.

Somadas as inflexibil­idades de ambos os lados, a tempestade perfeita se abateu sobre a região. Ressalve-se que o grande polo de turbulênci­a foi Puigdemont, que levou até o fim um movimento do qual a maioria dos catalães discordava (52% a 39%) e que dispunha de apoio internacio­nal quase nulo.

Por inédita, a destituiçã­o de autoridade­s regionais e a realização de um novo pleito foram entendidas como uma punição muito rigorosa. Rajoy, entretanto, valeuse da lei, tão somente.

O artigo 155 da Constituiç­ão permite que se tomem “medidas necessária­s” quando uma comunidade autônoma não cumpre com suas obrigações. Embora o texto não especifiqu­e quais seriam tais ações, existe amplo consenso sobre a validade de se dissolver os poderes locais para garantir a unidade territoria­l do país.

Ao lado do premiê, aliás, está a maior parte da sociedade catalã. Segundo pesquisa, 52% estão de acordo com a eleição em dezembro.

Em outra sondagem, a coalizão independen­tista não conseguiri­a maioria no Parlamento regional. Um preço político alto, mas não tanto quanto o que Puigdemont pagará caso seja condenado pelo crime de rebelião de que foi acusado pelo Ministério Público.

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