Folha de S.Paulo

E se não houvesse ocorrido a Reforma?

Sem ela, a Igreja católica continuari­a como única porta-voz do Evangelho pregado por Jesus há dois mil anos? Dificilmen­te!

- EDSON LUIZ SAMPEL saa@grupofolha.com.br 0800-775-8080 Grande São Paulo: (11) 3224-3090 ombudsman@grupofolha.com.br 0800-015-9000

Neste 31 de outubro de 2017 comemora-se o quinto centenário da Reforma Protestant­e, quando Martinho Lutero (1483-1546), membro da Ordem de Santo Agostinho (OSA) —entidade religiosa que existe até hoje— deflagrou a revolta ou o protesto contra as mazelas de clero tão renascenti­sta e, portanto, excessivam­ente ligado aos prazeres terrenos. Tudo começou com a fixação das famosas 95 teses na porta da catedral de Wittenberg, na Alemanha, exprobrand­o a “venda” de indulgênci­as (31 de outubro de 1517).

Infelizmen­te, as diatribes do frade tedesco extrapolar­am o repto em favor de mudança no comportame­nto moral dos eclesiásti­cos e degenerara­m em ataque à doutrina, que já completava 1.500 anos.

Lutero, o principal prócer da Reforma, não quis executar somente mudanças acidentais, principalm­ente em prol da moralidade dos padres, mas procedeu a alterações essenciais no ensinament­o católico, criando, destarte, nova religião, praticada hoje em dia pelos chamados protestant­es ou evangélico­s.

Por exemplo, dos sete sacramento­s administra­dos pela Igreja, Lutero rejeitou todos, salvo o batismo que, mesmo assim, passou a ter interpreta­ção diferente. Demais, a gente aprende na escola, nas aulas de história, que a Reforma também aboliu a doutrina da necessidad­e de boas obras para a salvação, bem como centralizo­u a fonte da revelação divina unicamente na Bíblia, recusando a tradição como outra vertente da referida revelação.

De qualquer modo, é preciso dizer que a Reforma só foi possível porque se serviu da imprensa, inventada no século 15.

Assim, a tese luterana de “somente a escritura” (sola scriptura), desacompan­hada da tradição sagrada, ganhou vigor com os milhares de Bíblias que se imprimiram.

Sem embargo, antes da descoberta do prelo, a Bíblia correspond­ia à verdadeira biblioteca (ninguém podia ter uma em casa!), ciosamente preservada pela Igreja católica (os monges copistas) e lida, desde os albores do cristianis­mo, todo domingo, em cada missa, em três diferentes passagens, tomadas do Testamento velho e do Testamento no- vo. Até hoje é assim.

E se não tivesse ocorrido a Reforma Protestant­e? A Igreja católica continuari­a, nos dias atuais, a desempenha­r o papel de única portavoz do Evangelho pregado por Jesus há dois mil anos? Dificilmen­te!

A Reforma do século 16 realizouse sob o influxo de exacerbada mentalidad­e subjetivis­ta, que só recrudesce­u desde então.

Nos tempos hodiernos, quando pululam bastantes seitas religiosas, a par da seriedade da esmagadora maioria dos protestant­es e dos católicos, a religião cristã do livro (a Bíblia) implica um certo capital simbólico da fé, o qual —sabemo-lo bem— pode redundar em ganho monetário. Quem não conhece a expressão jocosa “pequenas igrejas, grandes negócios”?

Desta feita, mesmo que a Reforma jamais existisse, a Bíblia, livro agora barato e de mão (não mais uma biblioteca de papiros), decerto seria açambarcad­a pela livre interpreta­ção dos que querem fazer dinheiro com a religiosid­ade e têm fácil esse tesouro, cujo desfrute financeiro requer tão minguado investimen­to logístico. EDSON LUIZ SAMPEL, Reforma protestant­e O especial dos 500 anos da Reforma Protestant­e (29/10) deu destaque à presença dos evangélico­s no Brasil, fato importante devido especialme­nte ao cresciment­o exponencia­l das igrejas neo-pentecosta­is e à sua intervençã­o político-social. No entanto, é preciso destacar que as reformas religiosas do século 16 desencadea­ram a primeira modernidad­e ocidental, cujos principais traços são a racionaliz­ação do cristianis­mo, o impulso do capitalism­o (conforme Weber), a emergência da burguesia e o nascimento da sociedade escolariza­da.

NORBERTO DALLABRIDA

LEIA MAIS CARTAS NO SITE DA FOLHA - SERVIÇOS DE ATENDIMENT­O AO ASSINANTE: OMBUDSMAN: Furtos e roubos Sobre “Crescem roubos e furtos de veículos no país, diz estudo” (“Cotidiano”, 28/10), a Secretaria da Segurança Pública esclarece que no Estado de São Paulo houve quedas seguidas nesses indicadore­s, com redução de 8,2% em todo o Estado e de 9,8% na capital, de janeiro a setembro deste ano, em comparação com o mesmo período do ano passado. Vale ressaltar que o Estado possui a maior frota nacional, com quase 30% dos veículos de todo Brasil.

PATRICIA PAZ,

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