Mundo evangélico não pode ser visto como um bloco
PARA PRESIDENTE DA IGREJA EVANGÉLICA LUTERANA NO BRASIL, PRECONCEITO E IGNORÂNCIA SOBRE RELIGIÃO PERSISTEM
Folha - Passados 500 anos, a Reforma ainda tem força?
Nestor Paulo Friedrich As dificuldades hoje são diferentes das que Lutero vivenciou. Mas há também semelhanças. Por exemplo, convivemos com práticas religiosas que se assemelham à venda de indulgências. Se você fizer isto e aquilo, se você der tanto dinheiro, seu problema será resolvido. Neopentecostais acabam reproduzindo, na prática, o que foi o estopim da Reforma. A teologia luterana não subscreve essa compreensão. Em Jesus, recebemos a oferta do perdão gratuitamente. Neopentecostais são a fatia evangélica que mais cresce no Brasil. Como se aproximam e se distanciam de Lutero?
Elemento comum importante: as Sagradas Escrituras. Sua leitura faz a diferença na vida de milhões de pessoas. Existem, é claro, ênfases distintas. Como no tempo de Lutero, a Bíblia está sujeita ao mau uso. Somos uma igreja que se dispõe a ouvir o que outros pensam e como interpretam a Bíblia. Nem sempre as interpretações combinam. Mas respeitamos as diferenças. O tempo ajuda a corrigir eventuais unilateralidades. Por que, ao menos fora do segmento evangélico, líderes como Edir Macedo, Marco Feliciano e Silas Malafaia se destacam como porta-vozes de uma massa tão diversificada?
Creio que por causa da presença constante nos meios de comunicação: rádio, TV etc. Mas a atenção às suas vozes também se relaciona com o fato de sermos um país em que milhões de pessoas não têm acesso aos direitos fundamentais. Nesse contexto, promessas de solução recebem audiência e até dá para compreender o porquê. A partir da teologia de Lutero, cabe avaliar se Jesus teve essa postura de quem resolve todos os problemas como passe de mágica. Nas neopentecostais, a emoção é uma dimensão bastante explorada. Então, temos que aprender com eles também, não só ver o negativo. Se as pessoas buscam essas igrejas, encontram algo que não conseguimos oferecer. A Alemanha de Lutero —toda a Europa— passa por um processo de secularização. A porção de pessoas que se declara sem religião aumenta no mundo, do Brasil aos EUA. A que atribui o fenômeno?
A liberdade individual se acentua cada vez mais. Isso inclui a opção pela vivência ou não da sua dimensão espiritual. A tradição perde a força. O fato de uma pessoa ter sido batizada em determinada denominação não assegura mais sua continuidade automática como membro da mesma. Declarar-se sem religião não significa necessariamente a rejeição da fé. O que se nega, muitas vezes, é a filiação institucional a uma confissão religiosa. Em 2011, o sr. assinou, como presidente da IECLB, carta que acata a posição do Supremo Tribunal Federal que passou a reconhecer a união homoafetiva como “entidade familiar”. Por que o fez?
A confissão luterana defende a separação entre Igreja e Estado. Entendeu que a decisão do STF promovia a superação da discriminação, da estigmatização de comportamentos diferentes, que tantas vezes culminam em violência e morte. A intolerância é fonte de julgamentos apressados, incompreensão, dor. O cisma com a Igreja Católica já foi superado?
A animosidade do passado está em grande parte superada. Tivemos uma aproximação gradativa ao longo de 50 anos. São diversos documentos bilaterais. Em nível global, foram assinadas várias declarações conjuntas. Desde 2013, temos estudado [luteranos e católicos] o documento “Do Conflito À Comunhão”. Destaque-se a participação do papa Francisco na celebração na catedral luterana em Lund [Suécia], no dia 31 de outubro de 2016.
“no imaginário brasileiro um senso comum superficial de que o segmento evangélico está aí para a exploração da boa fé do povo “Promessas de solução recebem audiência. A partir da teologia de Lutero, cabe avaliar se Jesus teve a postura de resolver problemas como passe de mágica