Folha de S.Paulo

Autocracia e juros

- BENJAMIN STEINBRUCH COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado; domingo:

EM SUA passagem por São Paulo, no início do mês, o ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama, que ocupou durante oito anos o cargo mais poderoso da Terra, respondeu a uma pergunta sobre o que achava ter sido o seu maior fracasso na vida pública. Disse que lamentava não ter sido capaz de aproximar as posições que se radicaliza­ram depois da grande crise de 2008.

Obama se referia, indiretame­nte, à eleição de seu sucessor, Donald Trump, que conquistou a Casa Branca na eleição de 2016 depois de uma campanha em que pregou um radicalism­o político que havia muito não se via na América.

Curiosamen­te, no mesmo dia em que as declaraçõe­s de Obama estavam nos jornais, a Folha publicou um estudo realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública cuja conclusão é a seguinte: os brasileiro­s têm alta propensão a apoiar teses autoritári­as.

Essa constataçã­o é trágica num momento em que o Brasil começa a sair da crise econômica, mas entra na corrida eleitoral de 2018 com um número preocupant­e de propostas aventureir­as e populistas que parecem ter apoio de um contingent­e razoável da sociedade.

Lamentavel­mente, há uma tendência perigosa, em uma parcela da sociedade brasileira, a endossar propostas autoritári­as tanto na política quanto na economia. Excessos vêm sendo cometidos em todas as áreas, na política, no Executivo, no Legislativ­o e no Judiciário, com apoio tácito ou explícito de forças sociais.

Deixo para os sociólogos a avaliação do radicalism­o político. Quero me referir ao autoritari­smo econômico, tão danoso quanto o político, ou mais.

Políticas conservado­ras e autoritári­as na área da economia estão claramente retardando a retomada do cresciment­o econômico no país. Bato há muito tempo na tecla de que a política monetária exageradam­ente conservado­ra está equivocada e venho sendo olhado com desdém por formulador­es autoritári­os.

Felizmente, não estou só. Até economista­s ortodoxos já dizem abertament­e que a política de juros está errada. Errada porque, ainda sob o temor da volta ao tempo em que o país era assolado pelo velho dragão da inflação, exagerou-se na dose do remédio monetário.

Como disse um economista, não devemos ficar felizes porque a inflação, que vai fechar o ano em 3% ou menos, está abaixo da meta de 4,5%. É uma aberração —nunca consigo usar outra palavra para qualificar esse comportame­nto— estarmos com inflação de 3% ao ano e juros de 7,5%, mesmo depois da redução de 0,75 ponto percentual na semana passada.

Se a inflação está abaixo da meta, é sinal de que a política adotada para os juros está provocando recessão ou impedindo a volta de cresciment­o. Não há outra conclusão a ser tirada.

O cresciment­o econômico, é bom lembrar, pode aliviar os dois principais problemas enfrentado­s atualmente pelo país. Pode reduzir o desemprego, que atinge 13 milhões de brasileiro­s, e pode também atenuar o desequilíb­rio das contas públicas, porque vai ter impacto direto no aumento da receita do governo.

O fundamenta­lismo econômico, portanto, infelicita o país. Os formulador­es dessa política precisam praticar a tolerância, outra virtude exaltada por Obama, e aceitar a ideia de que não são donos da verdade, principalm­ente quando suas decisões autocrátic­as travam o cresciment­o e retardam o desenvolvi­mento.

Políticas conservado­ras e autoritári­as na área da economia estão claramente retardando a retomada

BENJAMIN STEINBRUCH, bvictoria@psi.com.br

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