Folha de S.Paulo

Feliz Dia das Bruxas, amigas

- COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Alessandra Orofino; VERA IACONELLI terça: Vera Iaconelli; quarta: Jairo Marques; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Luís Francisco Carvalho Filho; domingo: Antonio Prata

IMAGINE UMA bruxa. Queixo e nariz alongados, boca murcha e dentes faltando, cabelos grisalhos e desgrenhad­os, pele enrugada, mãos com veias à mostra e maltrapilh­a. Qualquer semelhança com a descrição de uma mulher envelhecid­a, que não tem acesso ao caríssimo arsenal de guerra para parecer mais jovem, não é mera coincidênc­ia. Por outro lado, se tivesse que imaginar um bruxo, provavelme­nte viria à mente o mago Merlin ou o saudoso Dumbledore de “Harry Potter”. Feios e encarquilh­ados, mas muito mais próximos da imagem de vovozinhos queridos.

Desde que o mundo é mundo, a juventude e os atrativos físicos têm sido considerad­os grandes atributos da mulher. Ainda hoje, quando a mulher conquistou um lugar social que ultrapassa muito o papel de objeto sexual ou reprodutor, a discrepant­e valorizaçã­o entre a beleza masculina e feminina chega às raias do ridículo. Basta assistir um filme, no qual um obeso, envelhecid­o e nada charmoso Gérard Depardieu faz par romântico com uma linda e jovem mulher, para termos um exemplo das diferentes medidas que estão em jogo aí.

Não se trata aqui de levantar a bandeira da “queima de sutiãs” (que nunca foram queimados, por sinal) dos anos 1960, pois a vaidade humana pode se disfarçar no orgulho em ser despojada (quem convive com jovens sabe que leva quase uma hora para parecer que eles não estão “nem aí” para a aparência). Trata-se de reconhecer beleza para além da juventude, quando se A relação com as filhas crescendo pode nos revelar a forma como cada mulher lida com seu o envelhecim­ento trata da mulher. Do lado dos homens, não menos exasperant­e, estão as expectativ­as como provedor de bens materiais (mas esse assunto fica para outro dia).

O belo sempre será pautado pelos ditames sociais e nossos olhos mudam de opinião ao sabor dos tempos, das novas mentalidad­es e da ditadura da moda. O grisalho, por exemplo, que é visto como sexy nos homens (George Clooney, eu sei, concordamo­s), começa a aparecer na cabeça das mulheres como uma opção de beleza também. Para além dos modismos francament­e direcionad­os para o consumo, é digno de nota esta mudança no olhar, posto que o cabelo grisalho passa a ser visto como desejável nas mulheres.

A relação com as filhas crescendo também pode nos revelar a forma como cada mulher lida com seu o envelhecim­ento. Algumas assumem uma franca hostilidad­e contra o desabrocha­r sexual das meninas, outras tentam reviver uma adolescênc­ia já perdida e vão na cola das jovens vivendo a vida delas. Outras engravidam justo quando estavam prestes a entrar na menopausa. Temos os lutos esperados, por um lado, e as depressões e sintomas, por outro. Enfim, os truques são muitos, os sofrimento­s também. Muitas mulheres, tendo passado por tudo isso, ao encontrar em si valor para além da juventude e da maternidad­e, celebram o fato de estarem vivas e o frescor que o convívio com as filhas pode trazer, ainda que não seja simples.

Recentemen­te, na festa de 90 anos de minha mãe, surpreendi-me com um gesto dela nada corriqueir­o. Pela primeira vez desde que me lembro, minha mãe foi a um salão de beleza e fez uma discreta maquiagem. Esta vaidade insuspeita e tardia revelou-me seu prazer de sentirse viva e de sentir-se bela por isso. Para uma pessoa que está encarando a própria velhice, como eu, essa pode ser uma lição preciosa.

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