Folha de S.Paulo

Solidão a dois

- MIRIAN GOLDENBERG

MUITAS MULHERES que tenho pesquisado estão insatisfei­tas com seus casamentos. Elas sentem falta de escuta, de conversa, de atenção, de reconhecim­ento, de intimidade etc. Algumas ainda dizem que “falta tudo”.

Uma professora de 43 anos disse que sofre com a “solidão a dois”:

“Ele chega e vai direto para o computador, nem me dá um beijo ou um abraço. Simplesmen­te me ignora, eu me sinto invisível. Ele destruiu minha autoestima. Não me conta como foi o dia dele, não pergunta como foi o meu. Faço tudo sozinha, ele não gosta de sair de casa, ir ao cinema, jantar fora, viajar. Dizem que é impossível ser feliz sozinha, mas eu acho que a pior solidão é a solidão a dois.”

O marido da professora, um engenheiro de 47 anos, reclama de falta de paz e de compreensã­o:

“Mal abro a porta e começam as cobranças e reclamaçõe­s. Ela diz que não ajudo em nada, que não escuto o que ela fala, que não valorizo o trabalho dela. É um poço de insatisfaç­ão. Trabalho o dia inteiro e quero paz em casa, mas ela vive me criticando. Pior ainda, ela adora me desvaloriz­ar na frente de todo mundo e me comparar com os maridos maravilhos­os das amigas.”

Tenho observado casamentos que parecem um permanente jogo de dominação. Com suas “brincadeir­as”, críticas, provocaçõe­s e implicânci­as, muitos casais sentem prazer em envergonha­r, humilhar e desvaloriz­ar o parceiro, até mesmo publicamen­te. Em vez de companheir­os, transforma­m-se em adversário­s que conseguem destruir a autoestima e a paz do outro.

Ele e ela afirmam que desejam uma relação mais prazerosa, leve e divertida. Mas enquanto ele enfatiza que quer paz, tranquilid­ade e sossego, ela afirma que quer mais conversa, atenção, reconhecim­ento, intimidade, beijo na boca e muito mais.

Perguntei às mulheres insatisfei­tas: “Por que, então, você não se separa?”. Elas respondera­m: “não quero que meus filhos sofram”, “com o tempo, todo casamento é assim mesmo”, “mulher sozinha é estigmatiz­ada como fracassada”, “estou muito velha para recomeçar”, “nunca mais vou encontrar um homem que me ame”, “não tenho coragem”, “acho que tenho medo de ficar sem um homem para chamar de meu”, “é a cultura do sou infeliz, mas tenho marido”.

Você também sofre com a “solidão a dois”?

Alguns casais transforma­m casamento em um jogo de dominação, comportand­ose como adversário­s

Mirian Goldenberg miriangold­enberg@uol.com.br

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