Mostra busca ressonância do Living Theatre
Exposição em SP faz ligações entre a história do grupo de teatro experimental americano e a cena contemporânea
No Brasil nos anos 1970, grupo acabou preso pelo regime militar, acusado de uso de drogas, e foi depois expulso do país
Aos moldes de seu retratado, a exposição “Living Theatre, Presente!”, que abre nesta terça-feira (31), procura borrar as fronteiras entre o espaço expositivo, no hall do Sesc Consolação, e a rua.
Os andaimes que exibem filmes, fotos, textos e depoimentos dos 70 anos do grupo são modulares, abrindo-se para performances e debates e deixando suas estruturas visíveis do lado de fora do prédio.
É uma alusão ao caráter experimental, performático e de teatro de rua da companhia, fundada em 1947, em Nova York, pelo pintor Julian Beck (1925-1985) e pela atriz alemã Judith Malina (1926-2015).
Influenciada pelo teatro político do alemão Erwin Piscator, a dupla foi pioneira do circuito alternativo off-Broadway. Buscava um improviso nas suas peças à semelhança do jazz —formas que possibilitariam “o voo do pássaro”.
“Eles tinham uma coisa muito ritualística —Malina fazia anotações em seu diário de acordo com as luas cheias. Essa mistura entre arte e vida, que é um ativismo hoje, eles faziam desde 1960”, afirma Ricardo Muniz Fernandes, que divide a curadoria da mostra com Andrea Caruso Saturnino e Ines Cardoso.
E tratavam de temas considerados “subversivos”: seu “Paradise Now”, sobre erotismo, foi proibido no Festival de Avignon (França) de 1968.
Mas a mostra no Sesc (que lançará em janeiro os diários de Malina) não busca traçar uma cronologia. “A gente queria dialogar com o momento de agora, o que está acontecendo nas ruas”, diz Andrea.
Para isso, haverá ainda performances do próprio Living, apresentações de artistas brasileiros (Cia. do Latão, Núcleo Bartolomeu de Depoimentos e a diretora Maria Thais) e debates com nomes nacionais que foram influenciados pela trupe americana, como Zé Celso e Sergio Mamberti.
O Living chegou ao Brasil em meados de 1970, por um convite do Teatro Oficina — fariam uma peça juntos, mas o projeto não foi para frente.
A companhia circulou pelo país por um ano, encenando o ciclo de peças de rua “O Legado de Caim”, baseado na obra de Leopold von SacherMasoch e que refletia sobre o passado colonial brasileiro.
Ilion Troya tinha 23 anos quando viu uma apresentação do grupo em Rio Claro (SP), sua cidade natal. Largou o curso de ciências sociais e virou ator do Living, em 1971.
Segundo ele, Malina e Beck estavam lendo “Casa Grande e Senzala”, de Gilberto Freyre, e se interessavam em conhecer rituais brasileiros, visitando terreiros de candomblé. “E muito rapidamente aprenderam português.”
Em São Paulo, buscaram um diálogo com moradores da favela próxima ao aeroporto de Congonhas em “Bolo de Natal para o Buraco Quente e o Buraco Frio”, fazendo um percurso pelas ruas locais.
Eles se apresentariam no Festival de Inverno de Ouro Preto (MG) daquele ano, mas foram presos no primeiro dia, acusados de uso de drogas. Soltos, seriam presos novamente, por ligação com “movimento subversivo nacional”.
Ficaram cerca de dois meses encarcerados, e liberados após forte pressão internacional, com nomes como Sartre e Pasolini fazendo coro.
Acabaram expulsos do país, por decreto do general Médici. Em 1990, para que Malina viesse ao Brasil ministrar uma oficina, foi preciso que o então presidente Fernando Collor revogasse a decisão, que ainda vigorava.
A companhia sempre pregou um modo comunitário e alternativo de produção. Não queria cobrar ingressos ou entrar no modelo de grandes instituições artísticas. Por isso, diz Andrea, ficou muito esquecida nos anos 1980 e 90.
Também vendeu quase todo o seu acervo para universidades, como Yale e Columbia, e instituições na Itália e na França. Malina chegou a interpretar a vovó de “A Família Addams” (1991), trabalho que dizia ser “um lixo” e que “só fez isso para ganhar dinheiro”, afirmam os curadores.
Hoje, segundo Ilion, o grupo quase “não se mantém”. À parte alguns subsídios e verbas de fundações, a renda vem principalmente de turnês. QUANDO abre seg. (30), às 20h; de seg. a sex., das 11h às 21h30, sáb., das 10h às 19h30; até 27/1/2017 ONDE Sesc Consolação, r. Dr. Vila Nova, 245, tel. (11)3234-3000 QUANTO grátis; livre PROGRAMAÇÃO sescsp.org.br