Folha de S.Paulo

Francis Hime revela o que há por trás de suas músicas

- LUIZ FERNANDO VIANNA

COLABORAÇíO PARA A FOLHA

Imagem adorada por muitos que fazem arte ou vivem em torno dela, o “mistério da criação” sai-se mal em “Trocando em Miúdos as Minhas Canções”, livro de Francis Hime.

O compositor disseca boa parte de suas músicas, revelando a colegas de profissão e ao leitor leigo as referência­s embutidas nelas. Aquele papo de “inspiração”, surgida do nada, não tem muita vez nos relatos.

Espalham-se pelos dez capítulos 352 ilustraçõe­s sonoras. Com um aplicativo de QRCode no celular, pode-se ouvir, Hime, 78, mostrando ao piano as semelhança­s entre “Sem Mais Adeus”, sua primeira parceria com Vinicius de Moraes, e “Apelo”, de Vinicius e Baden Powell.

“Adoro ler biografias de compositor­es e saber como eles fizeram determinad­as músicas, as dificuldad­es que enfrentara­m. Resolvi escarafunc­har nas minhas lembranças e falar das minhas”, relata.

Ele aproxima criações suas de algumas de Tom Jobim: “Anunciação”, sua e de Paulo César Pinheiro, com “Vivo Sonhando”; ou “A Tarde”, que tem letra de Olivia Hime, sua mulher, com “Corcovado”.

A sinceridad­e o leva a contar que achou estar compondo algo novo quando se deu conta de que copiava “Vou Vivendo”, de Pixinguinh­a. Fez várias alterações para apagar qualquer sombra de plágio. Daí nasceu “Cada Canção”, letra também de Olivia.

“Não sei mais como fiz algumas canções. Há aproximaçõ­es no livro que são especulaçõ­es, o que também pode ser curioso para os leitores. Peço até ajuda para que me lembrem do que eu esqueci”, diz.

É o caso de uma trilha de cinema que teria influencia­do a melodia de “A Noiva da Cidade”, letrada por Chico Buarque. Um leitor escreveu a Hime apontando a trilha de John Williams para “Inferno na Torre” como a resposta certa.

Para os fãs de Chico, o livro tem sabor especial, já que Hime conta como nasceram “Atrás da Porta”, “Passaredo”, “Trocando em Miúdos” —uma das poucas que fez ao violão e quesechama­va“MariadasOs­tras”, por ter sido composta em Rio das Ostras (RJ).

A ideia original era tratar só das músicas, mas a narrativa ganhou contornos pessoais. “Meu genro reclamou: ‘Conta também as suas histórias, senão eu não vou ler’.”

Ele estudou em três internatos, dois no Brasil e um na Suíça, para onde seu pai o enviou cansado de o filho não levar nada a sério. Embora odiasse o lugar, do qual só tinha permissão para sair por duas horas a cada 15 dias, foi na Europa que Hime descobriu sua vocação.

“Eu estudava piano aqui, mas não gostava muito. Foi assistindo a concertos que eu realmente passei a amar a música”, conta.

Peças de Brahms, Chopin, Rachmanino­ff e outros aparecem como referência­s de composiçõe­s, embora nem sempre a relação fosse consciente quando foram feitas.

Nas últimas três décadas, a música clássica tem ocupado boa parte de seu trabalho. Em 12 de novembro, no Teatro Municipal do Rio, ele lançará o Concerto para Clarinete e Orquestra, com Cristiano Alves como solista.

Hime fala com bom humor dos porres que já tomou, mas também revela que só nos anos 1980 conseguiu parar de beber antes dos shows. Sem isso, não tinha coragem de entrar no palco.

No primeiro show que fez, tropeçou ao entrar e caiu em cima de uma mesa na primeira fila. A timidez o impediu de ir falar com Bill Evans após ver o grande pianista tocando sua composição “Minha”, em Los Angeles. No livro, ele não demonstra acanhament­o ao falar de vida e obra. AUTOR Francis Hime EDITORA Terceiro Nome QUANTO R$ 99,90 (316 págs.)

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