DEPOIMENTO Usar sonda na uretra é tendência para a próxima estação
COLUNISTA DA FOLHA
Recentemente, o presidente Michel Temer teve uma obstrução na uretra e precisou colocar uma sonda para retirar a urina de sua bexiga.
Eu fiquei com inveja e decidi copiar o presidente, depois que minha bexiga parou de funcionar por conta própria. Longa história. Uns dias no hospital, cirurgia, morfina, a tão sonhada alta, e a escrota da sonda veio embora junto para casa.
De longe, meu adendo passa por uma bolsa de mão. Daqueles modelos de plástico, um tanto cafonas, sim, porque transparente, e deixaria ver, em situações normais, seu conteúdo clássico —uma carteira, celular, documentos, caneta, talvez um bombom.
Mas, na minha bolseta de alça, não, nela só uma coisa fica à vista: meu xixi. Límpido, amarelo lusco-fusco, saudável, até, mas, né, mijo, ainda. Meio eca.
A enfermeira gentil ofereceu, na saída da internação, uma sacola plástica com o logotipo do hospital e sugeriu “Guarda dentro, boba”, o que também já despertou nos parentes presentes ideias de criativos invólucros para disfarçar o transporte da sonda por onde me for necessário ir nos próximos meses.
Uma tia imaginou uma trouxinha de tricô com ponto reforçado, a outra, uma daquelas roupas como as de botijão de gás ou filtro d’água, mas, agora, numa versão diminuta para esconder apenas o xixi que ninguém quer ver.
Agradeci muito, têm todos sido tão gentis comigo, mas expliquei que, no que depender de mim, a sonda permanecerá assim, como veio ao mundo. Nua, explícita, esfregando na cara da sociedade toda sua função coletora e medicinal. Se não escolhi que me introduzissem um tubo nas partes pudendas, que se acostumem todos com o desfile da bolsa. Vai ter sonda, sim, e, se reclamar, vai ter sonda cheia de 2.000 mililitros.
E que se use essa oportunidade para reconhecer e quiçá louvar, até, não apenas a necessidade da sonda, mas também sua profunda utilidade nas mais diversas situações. Se o mundo se despisse dos preconceitos e se abrisse para o novo, lá estaria a sonda como acessório em shows de rock superlotados.
A fim de não perder o lugar na fila do gargarejo apenas por conta de uma inconveniente micção, os fãs portariam, felizes, suas sondas anexas à coxa, junto com o celular, o documento e o ingresso —afinal, ninguém tem que sair no meio daquela música boa só para se aliviar e fazer xixi.
Vejo, ademais, uma oportunidade de uso de nossa colega plástica em tempos de Enem. Lápis grafite número dois, borracha, identidade e garrafa d’água, e resolve-se o problema das fraudes e colas de estudantes que vão ao banheiro. Pode ter sonda no Réveillon de Copacabana, pode ter sonda na descida para o litoral em véspera de feriado, sonda no Carnaval na Vila Madalena e sonda na fila da vacinação contra febre amarela.
À minha já me apeguei tanto que ai do ginecologista que vier com conversa de voltar a usar a bexiga normalmente. Quero sonda customizada de Yves Saint Laurent na reunião de trabalho, e com glitter e estampa de sereia na balada de amanhã à noite.
Não dou dois meses para chover tutorial de sonda em mil canais do Youtube. Não está aí Michel Temer aderindo à moda, para não me deixar mentir? Pois é essa a tendência do verão vindouro, meninas: cateter na uretra e bom humor ante a própria desgraça. Confiem e mim e arrasem. MARCELLA FRANCO