A ministra e o teto
Protegida em uma bolha de estabilidade, garantias e privilégios funcionais, a burocracia estatal não raro perde a noção da realidade do trabalho no país.
Este parece ter sido o caso da ministra Luislinda Valois, dos Direitos Humanos —e não só por ela ter apresentado pedido para acumular o vencimento relativo a seu cargo (R$ 30,9 mil ao mês) e o de desembargadora aposentada, o que lhe renderia R$ 61,4 mil mensais.
Mais que isso, a funcionária argumentou, em defesa do pleito, que sua situação —a de receber o teto de R$ 33,8 mil autorizado pela legislação— “se assemelha ao trabalho escravo”, conforme revelou o jornal “O Estado de S. Paulo”.
A comparação estapafúrdia acrescenta uma dose de escândalo a uma rotina inaceitável que se perpetua no serviço público, em particular nas categorias de elite.
Graças à cumplicidade corporativa, pretextos de diversos tipos têm sido usados para driblar o limite salarial máximo estabelecido na Constituição, correspondente aos valores pagos aos ministros do Supremo Tribunal Federal.
Tal prática é especialmente comum no Judiciário e no Ministério Público; no Executivo, ao qual cabe a responsabilidade de fechar as contas orçamentárias, os controles se mostram mais rígidos. Basta mencionar que, no ano passado, a despesa média por magistrado no país atingiu R$ 47,7 mil mensais.
Não resta dúvida de que profissionais de qualificação e responsabilidade tão elevadas devem ser bem remunerados. Entretanto as políticas salariais precisam estar ajustadas à capacidade do país —onde a renda média do trabalho é de R$ 2.115— e do Orçamento.
Num sintoma evidente de descompasso, a despesa nacional com o Judiciário equivale a 1,35% do Produto Interno Bruto (R$ 84,8 bilhões em 2016), enquanto tal proporção raramente ultrapassa 0,5% do PIB no restante do mundo.
Outro despautério é o gasto com aposentadorias de servidores públicos, que, na casa dos 4% do produto, supera até os padrões observados em países ricos.
Além de injustas, tais condições são insustentáveis num cenário de ruína das finanças públicas. O exemplo da ministra dos Direitos Humanos dá apenas uma pálida ideia de como será árdua a tarefa de ajustar a máquina estatal.