O Vale do Silício
Empresas de tecnologia só se preoc
passo como um acidente infeliz no caminho da utopia digital, e não como um subterfúgio cujo objetivo era garantir hegemonia global.
Agora que Google, Facebook e Amazon se tornaram dominadores mundiais, as perguntas do momento são: pode o público ser convencido a ver o Vale do Silício como a máquina de demolição que ele de fato é? Será que ainda dispomos das ferramentas regulatórias e da coesão social necessárias para restringir esses monopólios antes que eles destruam as fundações de nossa sociedade? GOOGLE Até onde se sabe, todos esses programadores que viraram empreendedores acreditavam em suas nobres palavras e se mostraram, inicialmente, indiferentes sobre enriquecer com suas ideias.
Um estudo acadêmico publicado em 1998 por Sergey Brin e Larry Page, então alunos de pós-graduação em ciência da computação na Universidade Stanford, enfatizava os benefícios sociais de seu novo serviço de busca, o Google, que seria aberto ao escrutínio de outros pesquisadores e não teria a publicidade como força motriz. Era preciso assegurar ao público que as buscas seriam incorruptíveis, que ninguém influenciaria as respostas de uma pesquisa no tidor, que lhes deu um cheque de US$ 100 mil antes mesmo que o Google se tornasse uma empresa. Em 1999, o Google anunciou uma rodada de capitalização por investidores de US$ 25 milhões, insistindo que nada havia mudado. Quando repórteres perguntaram a Brin como o Google planejava ganhar dinheiro, ele respondeu que “a meta é maximizar a experiência de busca, não maximizar a receita com buscas”. FACEBOOK Mark Zuckerberg escolheu um caminho parecido nos primórdios do Facebook. Uma rede social era importante demais para ser maculada com comércio, ele disse ao jornal “Harvard Crimson” em 2004. “Claro, podemos ganhar muito dinheiro —mas a meta não é essa”, ele disse sobre sua rede social, então ainda conhecida como thefacebook.com.
“Qualquer pessoa de Harvard pode arranjar um emprego e ganhar muito dinheiro. Nem toda pessoa de Harvard é capaz de ter uma rede social. Eu valorizo isso mais como recurso do que, tipo, qualquer dinheiro.”
Zuckerberg insistiu que não cederia aos que buscam lucro, o Facebook se manteria fiel à sua missão de conectar o mundo.
Sete anos mais tarde, Zuckerberg também havia sucumbido ao capital de risco do Vale do Silício, mas parecia lamentar o fato. “Se eu estivesse começando hoje”, disse a um entrevistador em 2011, “acho que teria simplesmente continuado em Boston”. E acrescentou: “há aspectos da cultura aqui que eu acredito serem ainda imediatistas demais de uma maneira que me incomoda. Você sabe, seja por pessoas que querem começar uma empresa simplesmente por começar uma empresa, sem nem saber do que gostam, só para vendê-la”.
Por fim, entretanto, os fundadores do Google e do Facebook tiveram de enfrentar os fatos. Os investidores não haviam se alistado por caridade e começaram a exigir prestação de contas. No final, Brin e Page aceitaram, sob pressão, que publicidade fosse veiculada ao lado dos resultados de busca e também permitiram que um executivo de fora da empresa, Schmidt, fosse nomeado presidente-executivo.
Zuckerberg concordou em veicular publicidade no feed de notícias do Facebook e transferiu um de seus programadores favoritos para a divisão de publicidade em dispositivos móveis, dizendo: “Não seria divertido construir um negócio de US$ 1 bilhão em seis meses?”
A verdade é que havia fortunas de bilhões de dólares a serem feitas pela exploração do nebuloso relacionamento entre o público e as empresas de tecnologia. Todos nós sabíamos que não existe almoço grátis, uma sacada encapsulada de forma memorável em 2010 por um comentarista do site MetaFilter: “Se você não está pagando por algo, você não é cliente, você é o produto que está sendo vendido”.